sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Contêineres como unidades de carga: autonomia frente à mercadoria transportada

Foto: AgênciaT1
Por Emerson Souza Gomes (*)

Dispõe o art. 24, da Lei 9.611/98, que trata do gênero de transporte denominado de transporte multimodal de cargas que “considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.”. Como exemplo de “unidade de carga” temos o “contêiner” que, em conceito técnico, trata-se de receptáculo de carga de metal usado para transporte hidro-rodo-ferroviário, sendo denominada neste caso de ISO (International Standardization Organization) e IATA (International Air Transport Association), utilizado para transporte aéreo[i].

O legislador é enfático ao dispor que o contêiner não integra a mercadoria transportada, muito menos ainda, pode ser considerado como acessório desta: “A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo” (art. 24, parágrafo único).

Acontece que a interpretação dada ao dispositivo legal pelo poder público, por vezes destoa da interpretação dada pelos tribunais, sendo freqüente a retenção do contêiner junto de mercadoria que eventualmente vem a ser considerada abandonada. A jurisprudência tem se posicionado firme no sentido de que, independente da retenção da carga ou da declaração do seu perdimento, o contêiner dever ser liberado, visto que o mesmo possui existência autônoma e nenhum vínculo acessório com a carga transportada. Neste sentido:

“A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que o contêiner não é acessório da mercadoria transportada, não se sujeitando, pois, à pena de perdimento aplicável àquela. Precedentes. 2. Recurso especial não provido”. (REsp 1114944/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

“Segundo o art. 24 da Lei nº 9.611/98, os contêineres constituem equipamentos que permitem a reunião ou unitização de mercadorias a serem transportadas. Não se confundem com embalagem ou acessório da mercadoria transportada. Inexiste, assim, amparo jurídico para a apreensão de contêineres. 3. Agravo regimental não provido”. (AgRg no Ag 949.019/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2008, DJe 19/08/2008)

Verifica-se, pois, que, independente da retenção da mercadoria transportada, a liberação do contêiner se trata de direito líquido e certo. Inclusive, há que se denotar, que a retenção indevida do contêiner não só legitima a sua imediata liberação pela via mandamental, como também, pode ensejar a indenização por danos materiais e compensação por danos morais, sem prejuízo da tipificação do crime de abuso de autoridade como denota a na jurisprudência:

“(...) o transcurso do prazo caracterizador do abandono, sem que a Receita Federal tome as medidas necessárias para que seja finalizado o perdimento da carga e dada destinação às mercadorias, consiste em forma indevida de retenção da unidade de carga, passível, é bom que se diga, inclusive de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes, além de poder enquadrar-se ao crime de abuso de autoridade, consoante descrição típica descrita expressamente no artigo 4° da Lei nº 4898/652. (...) Ora, a pena de perdimento atinge somente o conteúdo da unidade de carga, não sendo legítimo onerar a companhia de transporte marítimo enquanto a Administração Pública e a importadora não realizam as providências que lhes incumbem em prazos razoáveis. Ademais disso, a Administração Pública não pode transferir à transportadora marítima o ônus pelo depósito das mercadorias, evidenciando-se aí, uma vez mais o claro abuso.(...) (TRF4, APELREEX 2008.70.08.000270-6, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 08/07/2009)

Por fim, ao tempo em que a lei diz que o contêiner é parte “integrante do todo”, significa dizer que o mesmo integra o veículo de transporte, afastando-se, deste modo, qualquer possibilidade de ser considerado como parte acessória da mercadoria transportada. Sobretudo, pelo fato de possuir - como já dimensionado - existência autônoma. Ainda pela inteligência dos Tribunais:

“(...) Nos termos do art. 3º da Lei nº 6.288/75 “o container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador”. 4. “A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo” (art. 24, parágrafo único, da Lei nº 9.611/98). 5. A jurisprudência da 1ª Turma do STJ é pacífica no sentido de que não deve recair sobre a unidade de carga (contêiner) a pena de perdimento, por ser simples acessório da carga transportada. 6. Precedentes: REsps nºs 526767/PR, 526760/PR e 526755/PR. 7. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 950.681/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 23/04/2008)

APREENSÃO DE MERCADORIA. DEVOLUÇÃO DE CONTÊINER. Os contêineres constituem unidade de carga, não se confundindo com a mercadoria neles transportada, pois são acessórios dos navios, não se submetendo, portanto, à destinação dada à mercadoria apreendida em eventual decretação de pena de perdimento. (TRF4, APELREEX 2008.72.08.001544-4, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 27/07/2009)

Referências:
 
[i] SILVA, Antônio Nelson Rodrigues, Dispositivos de unitização de cargas, STT404 – Introdução à engenharia dos transportes, Universidade de São Paulo, Escola de engenharia de São Carlos, disponível em http://www.stt.eesc.usp.br , acesso em 17/10/2009
 
(*) Emerson Souza Gomes é advogado, especialista em Direito Empresarial e sócio da Pugliese e Gomes Advocacia

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