sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Jurisprudência - Sascar Tecnologia e Segurança Automotiva S/A - Furto de veículo


Autos n° 020.12.002079-3

Ação: Rescisão de Contrato/Ordinário

Autor:  Comercial de Gás Sanravi Ltda

Réu:  Sascar - Tecnologia e Segurança Automotiva S/A

 

       Vistos etc.

 

Cuida-se de ação de rescisão de contrato, com pedido indenizatório, movida por Comercial de Gás Sanravi Ltda em face de Sascar - Tecnologia e Segurança Automotiva S/A, aduzindo que contratou com a ré monitoramento de oito veículos de sua propriedade, assinando os termos de adesão e aluguel de equipamentos do sistema que prometia eficiência e segurança, pagando regularmente as faturas pertinentes à locação dos equipamentos e taxa mensal de monitoramento dos oito veículos.

Narrou como se dava o pagamento das respectivas faturas, asseverando que a pertinente ao mês de outubro de 2010 "não foi enviada à autora para pagamento", e sem qualquer notificação o serviço de monitoramento foi suspenso, impedindo a autora de ter acesso aos seus veículos, sendo que um dos caminhões acabou desaparecendo (placas LXU 1917), localizado dois meses após pegando fogo "numa estrada próxima da cidade de Nova Veneza", queimando o valor dos fretes, em R$ 18.000,00 em cheques.

Afirmou que o prejuízo seria evitado caso fosse possível o bloqueio do caminhão, que "só não ocorreu em razão da suspensão indevida dos serviços de monitoramento".

Asseverou que um outro caminhão seu (placas IFY 1366) foi furtado em 20.02.2011, novamente por culpa da ré, seja pela suspensão indevida do serviço de monitoramento, como também na recusa da própria ré em cancelar o contrato, impedindo que a autora de firmar novo contrato com outra empresa, haja vista que seus equipamentos (da ré) ainda estão instalados.

 

 

 

 

Por estes fatos, requer a condenação da ré no pagamento das seguintes verbas: 1) R$ 126.150,00, pelos danos materiais no caminhão LXU 1917; 2) R$ 18.000,00, referentes aos cheques que estavam em seu interior; 3) R$ 128.363,00, pelos danos materiais decorrentes do furto no caminhão IFY 1366; 4) R$ 80.449,67, a título de lucros cessantes, antes os lucros mensais que não auferiu dos dois caminhões; 5) colima ainda a rescisão do contrato e; 6) a condenação da ré no pagamento dos danos morais, pelos transtornos causados a partir da suspensão do monitoramento (incêndio em um caminhão e furto doutro), estes reservados ao prudente arbítrio do julgador.

Juntou documentos.

Citada, a ré apresentou resposta, aduzindo da não incidência do CODECON no caso dos autos, e que foram nove os contratos firmados, como no quadro a folhas 139, e que em agosto de 2010 a autora tornou-se inadimplente das parcelas relativas ao contrato n. 042527 (placas MGO 1556), e a partir de janeiro de 2011 inadimplente com as faturas de todos os veículos contratados, enviando todas as faturas para o mesmo endereço, mormente porque o não pagamento ocorreu em relação a todos os contratos, jamais sendo contatada a ré para o envio de uma segunda via da suposta fatura não entregue, esta que poderia ser extraída ainda do próprio site da ré.

Alegou da aplicação da cláusula 3.4 do contrato, suspendendo a visualização dos veículos pela autora (suspensão parcial do serviço), não havendo qualquer pedido ou notificação da autora para a rescisão do contrato nos termos do disposto na cláusula 3.2.

Sustentou não ser possível estabelecer vínculo entre o incêndio ocorrido em um dos caminhões "com a suposta falta de prestação de serviço por parte da ré", haja vista que o fato ocorreria com ou sem monitoramento, não sendo a ré seguradora.

No tocante ao furto do outro caminhão, sustentou que "a autora jamais entrou em contato com a ré para informar tal acontecimento", afirmando ainda que nunca tentou impedir a autora de contratar com quem quer que fosse.

 

 

 

 

Asseverou da inadimplência da autora e do exercício regular do seu direito, defendendo a aplicação do contrato tal como firmado e livremente aceito, reiterando os argumentos já lançados, espancando as verbas indenizatórias postuladas, pugnando ao final pela improcedência do pedido.

Após nova manifestação da autora, e frustrada busca conciliatória, realizou-se regular instrução, com a oitiva das testemunhas arroladas, seguindo-se a apresentação dos memoriais, reprisando as partes os argumentos lançados.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, lembro que " 'o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu.' [...]. (AgRg no Ag n. 1394364/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j. 24-5-11, gizou-se)."(AI n. 2010.074149.9, de Jaguaruna rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. 05.07.2011).

Sua Excelência o eminente relator do agravo acima mencionado, atento ao princípio da instrumentalidade das formas, anotou com inteira razão:

" (...) em que pese os exaustivos argumentos vazados no presente inconformismo, torna-se despicienda a análise minuciosa de cada uma das argumentações alinhavadas pela Agravante, haja vista que o Estado-Juiz não está obrigado a rebater de forma específica cada uma das assertivas contidas no inconformismo quando estão presentes em sua fundamentação os parâmetros suficientes para sustentar sua decisão" (grifo meu, face a relevância do raciocínio do sempre coerente relator).

Dito isto, írrito falar-se na aplicação do CODECON no caso dos autos.

 

 

 

Cuidou-se de negócio jurídico realizado entre duas empresas de significativo porte, sendo a autora proprietária de verdadeira frota de caminhões (nem de perto vulnerável), rigorosamente nada indicando hiposuficiência ou situação fática que indique a aplicação da chamada "teoria maximalista".

Não é definitivamente o caso dos autos, colhendo-se da jurisprudência da Corte Catarinense:

"Logo, tendo em vista as características negociais observadas — em que se pôde, com liberdade, tratar de prazos, preços, quantidades, maneira de execução —, não se vislumbra o enquadramento dos sujeitos da relação jurídica negocial no conceito legal de consumidor e de fornecedor definido nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor pois, quanto a este aspecto, a agravada não figura, em absoluto, como destinatária final dos produtos e serviços fornecidos, mas, ao contrário, utiliza-os para incremento de sua atividade empresarial principal, objetivando lucro, com evidente repasse do investimento no custo de seus serviços, não pondo fim, assim, à cadeia de fornecimento.

"Bem a propósito, cumpre ressaltar que destinatário final, por certo, é o sujeito que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo, pondo fim à específica cadeia de produção e não aquele que o utiliza para efetivamente continuar a produzir, transformando-o e inserindo-o no seu sistema produtivo.

"Nesse mesmo sentido, pois, não se enquadra no conceito jurídico de destinatário final aquele que inclui o 'serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço [...], nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção' (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006, p. 84)." (Agravo de Instrumento n. 2007.040555-5, de Itajaí, Relator: Des. Eládio Torret Rocha, j. 07.04.2008).

Tollitur quaestio.

No que pertine à apresentação dos contratos, não há como exigir que a ré apresente algum outro documento além dos que trouxe aos autos, todos aliás suficientes para o julgamento.

 

Muito embora não se aplique no caso vertente as disposições do CODECON, não se pode olvidar o disposto no inciso II, do art. 333, do CPC, na medida em que "é indubitável, ex vi do art. 333 do CPC, que ao réu incumbe provar, de forma contundente, o fato hábil a extinguir a eficácia jurídica do direito do autor. Meras alegações são insuficientes para tanto, porque a prova deve convencer, de modo a afastar qualquer dúvida que porventura persista" (APCV n. 43.265, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Vanderlei Romer).

A regra apresenta ainda maior relevo diante do incontroverso fato de que se cuidou de "contrato de adesão", e portanto à ré assistia o ônus preponderante de demonstrar suas assertivas.

A ré sustentou em sua contestação que a suspensão parcial dos serviços deu-se em virtude de 'reiterada inadimplência" da autora, "em todos os contratos firmados" (item 24 a folhas 146), invocando o disposto na cláusula 3.4, do contrato.

Ocorre que a ré não trouxe aos autos rigorosamente prova alguma de que a autora em algum momento deixou de cumprir com suas obrigações contratuais; em outras palavras, e para não pecar pela falta de clareza, a ré não apresentou um único documento que demonstre tenha a ré ficado em mora ou inadimplente; nenhuma notificação, cobrança, sequer aviso (formal ou informal) de que havia alguma fatura em aberto a justificar a suspensão parcial ou total de algum dos serviços contratados.

Imaginando a existência de ter existido uma constituição em mora (total ou parcial), a suspensão (total ou parcial) seria contratualmente justificada, e nada a autora teria a reclamar. Todavia, a ré agiu a manu militari, o que é inaceitável sob qualquer ponto de vista.

A rigor, e a documentação dos autos é clara, a autora não deixou em momento algum de cumprir com suas obrigações, sem sentido inclusive qualquer raciocínio contrário diante da tal fatura impaga pertinente ao veículo de placas MGO 1556.

Ora, ainda que houvesse o atraso no pagamento da parcela daquele contrato (considerando que para cada veículo havia um contrato), não há razão próxima ou remota para que a ré suspendesse os serviços para os veículos LXU 1917 e IFY 1366, cujas situações estavam rigorosamente em dia, e que lastimavelmente acabaram sofrendo os prejuízos reclamados.

Desta forma, deixando a ré de cumprir com as suas obrigações nos contratos, sem que a autora tenha contribuído com coisa alguma (art. 476, do CC), deu causa ao rompimento de toda a cadeia contratual, procedente o pedido de rescisão contratual a favor da autora.

Resta a apuração dos danos reclamados.

Quanto aos danos materiais, pleitea a autora a indenização concernente ao caminhão LXU 1917, alvo de incêndio, sinistro cujas causas não foram apuradas, e se o foram não vieram aos autos de forma detalhada.

O fato é que em 27.12.2010 o caminhão "pegou fogo numa estrada próxima da cidade de Nova Veneza/SC", imputando a autora à ré os prejuízos decorrentes do incêndio, pois não foi possível o bloqueio anterior do veículo.

Data venia, não existe qualquer liame entre a suspensão do serviço e o incêndio em questão, bastando constatar que ainda que o serviço estivesse ativo tal não evitaria o sinistro; se o incêndio "começou no painel" como consta na inicial, qual a possibilidade de evita-lo com o bloqueio do veículo?

Em síntese, por amor à brevidade, inexistente o nexo causal entre a suspensão do serviço e o incêndio no caminhão placas LXU 1917, improcede o pedido indenizatório.

O mesmo não ocorre quanto ao caminhão IFY 1366, alvo de furto em 20.02.2011 (fls. 47).

Não se olvida o entendimento jurisprudencial no sentido de que  "o contrato de serviço de rastreamento via satélite é um equipamento utilizado para diminuir o risco do evento danoso, razão pela qual não garante a recuperação do veículo ou até mesmo o seu ressarcimento em casos de furto, por não se tratar um contrato de natureza securitária." (Apelação Cível n. 2012.037524-1, de Orleans, Relator: Juiz  Saul Steil, j. 09.10.2012).

 

 

 

 

Todavia, o serviço prestado pela ré é justamente o de prevenir crimes contra o patrimônio, e salvo melhor juízo a autora poderia ter sim localizado seu caminhão por intermédio do rastreamento/monitoramento, caso o serviço não houvesse sido suspenso indevidamente.

Se o incêndio não poderia ser evitado pelo monitoramento/bloqueio/rastreamento, mormente por ser fato alheio ao próprio serviço prestado pela ré (vide descrição a folhas 03), o mesmo não pode ser dito do furto do caminhão; ninguém contrata um serviço de tal espécie para não ter sequer a possibilidade de localizar o automóvel alvo de larápios.

É verdadeiro o argumento de que a ré não é empresa de seguro, porém presta um serviço de extrema gravidade para quem a contrata, comprometendo-se sim com o patrimônio da contratante, pois qual seria o objetivo do serviço que não a possibilidade de rastrear/monitorar/bloquear um caminhão alvo de um crime contra o patrimônio?

O artigo 186, do Código Civil, é bastante claro:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Ora: 1)  a autora nada devia à ré quanto ao contrato relativo ao caminhão furtado; 2) mesmo assim a ré não prestou o serviço alegando uma inadimplência inexistente e não demonstrada; 3) a autora não pode assim rastrear/monitorar/bloquear/localizar o caminhão furtado, tendo sim o prejuízo mencionado na inicial por manifesta irresponsabilidade da ré.

Desta forma, salta aos olhos o dever indenizatório da ré perante a autora, não por simples "falha no serviço prestado", mas por absoluta e absurda suspensão indevida do serviço, dando causa ao prejuízo experimentado pela autora, cujo valor dos danos materiais resulta em R$ 128.363,00, conforme item "c" a folhas 08, em momento algum impugnado expressamente pela ré, do que compreendo verdadeiro referido valor, nos exatos termos do art. 302, do CPC.

 

 

No concernente aos lucros cessantes, a juntada de planilhas e expectativas de lucros não demonstram de forma iniludível a existência do que a autora "razoavelmente deixou de ganhar", motivo pelo qual entendo indevido o respectivo pedido.

Da jurisprudência:

" 'A expectativa quanto ao sucesso do negócio não pode ser confundida com a certeza de lucro no empreendimento.

" 'A indenização a título de lucros cessantes não se funda em mera ilação, mas, ao revés disto, em prova concreta de que o prejudicado, em decorrência do ato ilícito, deixou de integrar ao seu patrimônio rendimentos que já eram certos'. (Apelação Cível n. 2008.067931-1, de Navegantes, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 24-1-2012)" (Apelação Cível n. 2009.006269-8, de Navegantes, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, j. 11.07.2013).

Mutatis mutandis, é o caso dos autos.

Por fim, resta o pedido de danos morais.

A jurisprudência dominante navega no sentido da existência de dano puramente moral devido à pessoa jurídica, não se olvidando o inteiro teor da Súmula 227, do Colendo STJ.

Entretanto, no caso dos autos não vislumbro a existência do abalo anímico indenizável".

Ora, a autora descreve na inicial ser proprietária/possuidora de verdadeira frota, o que aliás é comprovado pelos documentos e contratos trazidos aos autos.

Não é portanto empresa frágil e dependente daquele caminhão furtado (lembrando o fato de não lhe assistir indenização alguma quanto ao caminhão incendiado), gerando assim única e tão somente a preocupação e o dissabor natural decorrente do furto do seu caminhão, mas nada que seja capaz de ter como demonstrada a "ofensa anormal à personalidade".

A rigor, a ré deixou de cumprir sua obrigação contratual, acarretando o prejuízo material reconhecido acima, circunstância no entanto que por si só não é capaz de gerar os danos morais indenizáveis, improcedente pois o pedido.

 

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por Comercial de Gás Sanravi Ltda em face de Sascar - Tecnologia e Segurança Automotiva S/A e, em consequência:

1) DECLARO rescindidos todos os contratos firmados pelas partes, reconhecendo a culpa da ré, devendo a mesma retirar todos os seus equipamentos dos veículos da autora em dez (10) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença;

2) CONDENO a ré ao pagamento de R$ 128.363,00, a título de danos materiais, com correção monetária e juros de mora desde o evento danoso (Súmulas 43 e 54, do STJ).

Havendo sucumbência recíproca, CONDENO a autora e ré no pagamento pro rata das custas processuais, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro para o advogado da autora em 15% do valor da condenação, nos termos do § 3º, do art. 20, do CPC, e para o advogado da ré em R$ 10.000,00, nos termos dos §§ ³º e 4º, do art. 20, do CPC.

P. R. I.

Criciúma (SC), 10 de setembro de 2013.

 

 

 

Pedro Aujor Furtado Júnior

Juiz de Direito