
A Segunda Seção do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) reafirmou a tese de que, uma vez comprovada culpa concorrente,
a concessionária de ferrovia tem o dever de indenizar pela morte de transeunte
em via férrea. O relator é o ministro Luis Felipe Salomão e o julgamento se deu
pelo rito dos recursos repetitivos.
O ministro explicou que há concorrência de causas quando a concessionária
descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, adotando
conduta negligente para evitar a ocorrência de acidentes; e quando a vítima,
por sua vez, é imprudente, atravessando a via em local impróprio. A
responsabilidade da ferrovia só é excluída quando se comprova a culpa exclusiva
da vítima.
A posição adotada num recurso repetitivo é uma orientação às demais instâncias
da Justiça sobre como o STJ entende o tema. Uma vez firmado, o entendimento é
comunicado aos demais tribunais do país, para que possam adotá-lo no julgamento
de casos idênticos. O objetivo é reduzir o volume de recursos ao STJ sobre
teses que se encontram pacificadas na Corte Superior.
O caso analisado trata de um pedido de indenização por dano moral apresentado
pela mãe de um jovem de 28 anos, atropelado e morto numa linha férrea, em
acidente ocorrido em 1994, em São Paulo. Ele estava deitado sobre os trilhos,
logo após uma curva, o que impossibilitou a parada do trem. Em primeira e
segunda instâncias, o pedido foi negado.
A Justiça paulista considerou que não foi provado que a vítima era passageira
do trem e dele tivesse caído por desleixo da transportadora. Afirmou, ainda,
que não houve prova de “negligência, imprudência ou imperícia do maquinista,
que acionou os freios ao ver a vítima”.
Omissão
A mãe da vítima recorreu ao STJ. O ministro Salomão afirmou que a doutrina
e a jurisprudência consideram conduta omissiva quando há desídia da
concessionária na manutenção de cercas e muros, bem como na fiscalização da
ferrovia, principalmente em locais de adensamento populacional. Não se trata,
portanto, de responsabilidade objetiva, que decorreria de conduta comissiva.
De acordo com o entendimento do STJ, é preciso apurar se o dano sofrido
“efetiva e diretamente resultou da conduta estatal omissiva, ou seja, torna-se
imprescindível a configuração da culpa do prestador do serviço público”. Assim,
para configuração do dever de reparação, “devem ser comprovados o fato
administrativo, o dano, o nexo direto de causalidade e a culpa”.
“A culpa resulta, nesse caso, da omissão ou negligência do dever de vedação
física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas, bem como da
sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na
circulação da população”, explicou Salomão.
Entre as hipóteses citadas pelo ministro como aquelas que gerariam o dever de
indenizar, estão: a existência de cercas ao longo da via, mas vulneráveis,
incapazes de impedir a abertura de passagens clandestinas, ainda quando
existente passarela nas imediações; a inexistência de cercas; a falta de
vigilância constante, bem como de preservação dos muros destinados à vedação do
acesso à linha férrea pelos pedestres; a ausência parcial ou total de
sinalização adequada a indicar o perigo representado pelo tráfego das
composições.
Fato exclusivo
No entanto, em hipóteses em que a morte é resultado de fato exclusivo da
vítima, “a responsabilidade civil é eliminada pela própria exclusão do nexo
causal, uma vez que o agente – aparentemente causador do dano – é mero
instrumento para sua ocorrência”, ressaltou o relator.
Entre as situações que excluem a responsabilidade da empresa estão o estado de
embriaguez da vítima como causa única do acidente e o suicídio. No caso
concreto analisado, o ministro Salomão considerou o fato de o jovem estar
deitado sobre os trilhos uma excludente da responsabilidade da concessionária.
O recurso, portanto, foi negado.
Fonte: STJ