sábado, 12 de novembro de 2011

Transporte cumulativo e transporte multimodal

Arte: http://danilogs.sites.uol.com.br/transportemultimodal.htm
Por Emerson Souza Gomes (*)

(ensaio de artigo jurídico)
Quanto à execução, o contrato de transporte pode ser classificado como de execução simples, quando apenas um transportador realiza o serviço, ou como de execução cumulativa, quando a prestação do serviço contar com a participação de mais de um transportador(i). Conforme o art. 733 do Código Civil(ii) “Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas.”

Zeno Veloso, citado por Pablo Stolze Gagliano(iii), denota a presença de vários transportadores na prestação do serviço de transporte cumulativo: “Dá-se transporte cumulativo quando vários transportadores – por terra, água ou ar – efetuam, sucessivamente, o deslocamento, de um lugar para outro, de pessoas ou coisas”. Variedade de transportadores, esta, que não exige necessariamente variedade de modais. A respeito dos modais utilizados no transporte cumulativo, Valéria Bononi Gonçalves de Souza(iv), salienta ser indiferente a utilização de modais diversos para a caracterização do contrato cumulativo: “Identifica-se em seu aspecto subjetivo, pela presença de uma pluralidade de transportadores, os quais respondem em regime de solidariedade frente ao expedidor ou passageiro pela completa execução do contrato, sendo irrelevante à sua configuração o fato de serem empregados um ou vários modos de transporte.” A variedade de modais traça dessemelhança entre o contrato de transporte cumulativo e o contrato de transporte multimodal, que conforme a Lei 9.611/98 exige a utilização de duas ou mais modalidades de transporte: “Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal.”(v)

No que compete à qualidade do prestador de serviço, Cunha Gonçalves(vi) faz referência a necessidade da participação no contrato cumulativo de um transportador como contratante inicial: “Este contrato, embora celebrado somente com um transportador inicial, obriga todos os transportadores subseqüentes, pois, em relação a cada um destes, fica sendo expedidor o seu predecessor”. Peculiaridade não necessariamente presente no contrato de transporte multimodal, eis que o Operador de Transporte Multimodal pode ou não ser um transportador. É a redação do parágrafo único, do art. 5º da Lei 9.611/98: “O Operador de Transporte Multimodal poderá ser transportador ou não transportador.”

Caracteriza o contrato de transporte cumulativo a responsabilidade solidária dos transportadores por eventuais danos oriundos da prestação de serviço. Valéria Bononi Gonçalves de Souza(vii) denota imperfeição legislativa na redação do caput do art. 733 do Código Civil, o qual não menciona de forma expressa a responsabilidade solidária dos transportadores, mas que é deduzida da redação do seu §2º, quando trata da substituição do transportador: “Certo é que o legislador pecou pela ausência de clareza na redação do art. 733, quando não menciona em seu caput se a responsabilidade dos transportadores é solidária ou não. Não obstante, em seu §2º informar que no caso de substituição de um dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto. Isso nos leva a uma única interpretação de que, para estender-se a responsabilidade solidária do substituto, é porque assim era a do substituído em relação aos outros transportadores.” A despeito disto, ao regular o transporte de cargas, o legislador é expresso quanto à responsabilidade solidária de todos os partícipes: “Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.” (viii) Ricardo Negrão(ix), inclusive, é enfático quanto à solidariedade de todos os transportadores no transporte cumulativo: “A solidariedade passiva subsiste entre todos os transportadores pelo resultado danoso – atraso verificado no final da jornada ou dano ao passageiro ou à coisa transportada -, incluindo-se aqueles que substituíram os originalmente contratados, isto é, transportador que assume a tarefa em determinado trecho na posição inicialmente ocupada por outrem.”

A Lei 9.611/98, em seu art. 11, salienta que “O Operador de Transporte Multimodal [OTM] é responsável pelas ações ou omissões de seus empregados, agentes, prepostos ou terceiros contratados ou subcontratados para a execução dos serviços de transporte multimodal, como se essas ações ou omissões fossem próprias”, respondendo por eventuais danos desde o instante do recebimento da carga até a sua entrega ao destinatário (art. 13). Ao contrário do transporte cumulativo, onde todos os transportadores possuem responsabilidade solidária por danos à carga, tenha ou não algum deles culpa quando ao fato danoso, o OTM, na dicção de Ricardo Negrão(x) , assume o papel de ‘responsável primário’ na prestação do serviço; vejamos: “Distintamente do que ocorre no contrato cumulativo, no contrato multimodal o operador contratado é o responsável primário pela execução dos serviços desde o recebimento da carga até a sua entrega no destino, e pelos prejuízos decorrentes da perda, danos ou avaria.”

Destarte, se no contrato de transporte cumulativo todos os transportadores possuem responsabilidade solidária na reparação de danos, ressalvada a apuração da responsabilidade entre eles, para que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, no transportador em cujo percurso houver ocorrido o dano; no contrato de transporte multimodal de cargas, pelo disposto no § 5º, do art. 17, “Quando a perda, dano ou atraso na entrega da mercadoria ocorrer em um segmento de transporte claramente identificado, o operador do referido segmento será solidariamente responsável com o Operador de Transporte Multimodal, sem prejuízo do direito de regresso deste último pelo valor que haja pago em razão da responsabilidade solidária.” Sobretudo, o parágrafo único do art. 11(xi) dispõe sobre o direito de ação de ação de regresso, onde o OTM poderá ressarcir-se do dano indenizado:“O Operador de Transporte Multimodal tem direito a ação regressiva contra os terceiros contratados ou subcontratados, para se ressarcir do valor da indenização que houver pago.”

Para maior clareza, Ricardo Negrão(xii) esclarece a ratio da responsabilidade solidária no contrato cumulativo: “Percebe-se no contrato de transporte cumulativo a existência de um vínculo entre os vários transportadores, pelo qual cada um, ciente do destino final contratado, em função de um único bilhete ou de um único conhecimento de transporte, responsabiliza-se pelo cumprimento de uma etapa representada por fração do percurso total. A unidade de jornada – contratada pelo passageiro que inicia a viagem ou pelo titular da carga que a entrega aos cuidados do transportador que dará início ao deslocamento solicitado – evidencia unidade de contrato e é por esta razão que todos os transportadores obrigam-se a levar o passageiro e/ou a mercadoria ao destino final, objeto da contratação. [§] Esclarecidos os fatos e definido o momento da ocorrência do dano, o transportador que pagar o prejuízo pode acionar os demais pela parte ou pela totalidade do ressarcimento realizado.”

A razão da responsabilização solidária no contrato de transporte cumulativo pode ser sintetizada no fato de - acaso não identificável o causador do dano - ser justo todos os transportadores responderem pelo mesmo. Neste sentido, Maria Helena Diniz(xiii): “Ter-se-á então transporte cumulativo [omissis], contendo vários transportadores e um único conhecimento de frete, não sendo necessário mencionar os vários transportadores que sucederem o contratante primitivo. O transporte cumulativo de coisas gera responsabilidade civil solidária, por ser difícil determinar dentre vários transportadores o faltoso, e não para aumentar a garantia do remetente ou do destinatário. Deveras, se as mercadorias se perderam durante o percurso, como saber o instante em que isso se deu, se houve vários transportadores?... Todos responderão solidariamente pelo dano causado, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.”


(*) advogado, especialista em direito empresarial, sócio da Pugliese e Gomes Advocacia

i. Gagliano, Pablo Stolze, Novo curso de direito civil, vol. IV: tomo 2, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 412
ii. Lei 10.406/2002
iii. Gagliano, Pablo Stolze, Novo curso de direito civil, vol. IV: tomo 2, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 412
iv. Souza, Valéria Bononi Gonçalves de, Comentários ao código civil brasileiro, v.7: do direito das obrigações, Valéria Bononi Gonçalves de Souza (Arts. 722 a 756), Nelson Rodrigues Neto (Arts. 757 a 802), Maria Ester V. Arroyo Monteiro de Barros (Arts. 803 a 853); Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 56
v. Art. 2º, Lei 9.611/98
vi. Souza, Valéria Bononi Gonçalves de, Comentários ao código civil brasileiro, v.7: do direito das obrigações, Valéria Bononi Gonçalves de Souza (Arts. 722 a 756), Nelson Rodrigues Neto (Arts. 757 a 802), Maria Ester V. Arroyo Monteiro de Barros (Arts. 803 a 853); Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 60
vii. Souza, Valéria Bononi Gonçalves de, Comentários ao código civil brasileiro, v.7: do direito das obrigações, Valéria Bononi Gonçalves de Souza (Arts. 722 a 756), Nelson Rodrigues Neto (Arts. 757 a 802), Maria Ester V. Arroyo Monteiro de Barros (Arts. 803 a 853); Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 58
viii. Lei 10.406/2002
ix. Negrão, Ricardo, Manual de direito comercial e de empresa, volume 2: títulos de crédito e contratos empresariais, Ricardo Negrão, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 440
x. Negrão, Ricardo, Manual de direito comercial e de empresa, volume 2: títulos de crédito e contratos empresariais, Ricardo Negrão, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 452
xi. Lei 9.611/98
xii. Negrão, Ricardo, Manual de direito comercial e de empresa, volume 2: títulos de crédito e contratos empresariais, Ricardo Negrão, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 440
xiii. Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v. 3: Teoria das obrigações contratuais extracontratuais, 17ª ed. atua. De acordo como o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), São Paulo, Saraiva, 2002, p. 429

Nenhum comentário:

Postar um comentário