quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sociedade limitada: teoria ultra vires


A teoria ultra vires surgiu no direito britânico em meados do século XIX visando coibir desvios de finalidade na administração de sociedades por ações preservando, assim, o patrimônio dos investidores. Por ela o ato praticado pela pessoa jurídica que extrapole o objeto social é nulo de pleno direito.
Rubens Requião inclui dentre às hipóteses de abusos dos poderes gerenciais, a prática de atos “ultra vires”:

 “A segunda modalidade mencionada [além de (i) atos de excesso, violadores da regra social; (ii) Restrições contratuais] envolvendo sociedade, administrador e terceiro refere-se a operações estranhas ao objeto social e deu origem à aplicação da teoria inglesa denominada ultra vires societatis.” (p.367) 

Waldirio Bulgarelli, citado por Requião, adverte da importância da exata descrição do objeto social:

Daí que a descrição do objeto social é de maior importância, pois parte-se da ideia de que a sociedade existe apenas para a realização do objeto social e sendo perigosos os atos que o violam, tanto para os acionistas como para os credores, devem ser declarados nulos por terem sido praticados ultra vires” (p.367).  

A prática por parte de sócio-administrador, não só de uma sociedade por ações, mas de qualquer tipo societário, que extrapole os limites divisados pelos sócios constantes no contrato social, especialmente, no objeto social, são nulos de pleno direito.  

Até o advento do Código Reale em 2002 (Código Civil) o direito brasileiro não adotava expressamente a “teoria ultra vires”.  Requião, no entanto, salienta (p. 367) que a jurisprudência dos tribunais, mesmo não expressa em Lei, aplicava a teoria “ultra vires”:

”Na jurisprudência brasileira podem ser encontrados casos semelhantes de aplicação da teoria ultra vires, dando nulos atos praticados por gerentes sociais em atividades estranhas ao objeto social da sociedade, mas, ao contrário dos efeitos buscados na aplicação da teria, entende-se que a sociedade deve responder por atos de seus administradores perante terceiros de boa-fé, porque esses atos foram realizados sob a aparência da legalidade contratual ou estatutária – teoria da aparência.”

Importante denotar a compatibilidade da aplicação simultânea das duas teorias (ultra vires e aparência). Ao passo em que o ato ultra vires é declarado nulo de pleno direito, o terceiro de boa-fé se vê protegido pela teoria da aparência.  Quanto a esta última, o Juiz João Batista, também citado por Requião, enumera os requisitos para a sua admissibilidade:

“De um modo geral, a doutrina tem exigido os seguintes essentialia para a admissibilidade da teoria da aparência: a) existência de situação de fato que se apresente como situação de direito; b) que tal situação não contrarie os fatos normais da vida, nem o ordenamento jurídico; c) que o sujeit em favor de quem se invoca a teoria tenha sido induzido em erro pelas circunstâncias do fato; d) que o erro seja escusável.”

Entendemos, no entanto, que a aplicação da “teoria da aparência” tão somente tem abrigo a partir do momento em que se revele uma hipossuficiência entre as partes no contrato, por exemplo, contratos de consumo ou entre sociedades empresárias onde é manifesta a diferença de envergadura econômica. Justificamos nosso entendimento por força da legalidade. A teoria “ultra vires”, com a entrada em vigor do Código Civil, passou a constar no regime jurídico das sociedades simples, ou pelo menos, possui norma jurídica em si inspirada; vejamos:

"Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: (grifou)

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. (grifou)"

Por fim, saliente-se que, quando a sociedade limitada tem por diploma de regência supletiva o regime jurídico das sociedades simples, a vinculação da pessoa jurídica a atos praticados em seu nome não se consuma caso exercido o ato em descompasso com o objeto social.

Bibliografia:

REQUIÃO, Rubens, Manual de Direito Comercial e de Empresa, Teoria Geral da Empresa e Direito Societário, Saraiva, 9ª edição, 2012

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