A teoria ultra vires surgiu no
direito britânico em meados do século XIX visando coibir desvios de finalidade
na administração de sociedades por ações preservando, assim, o patrimônio dos
investidores. Por ela o ato praticado pela pessoa jurídica que extrapole o
objeto social é nulo de pleno direito.
Rubens Requião inclui dentre às hipóteses de abusos dos poderes
gerenciais, a prática de atos “ultra vires”:
“A segunda modalidade mencionada [além de (i) atos de excesso,
violadores da regra social; (ii) Restrições contratuais] envolvendo sociedade, administrador e terceiro refere-se a operações
estranhas ao objeto social e deu origem à aplicação da teoria inglesa
denominada ultra vires societatis.” (p.367)
Waldirio Bulgarelli, citado por Requião, adverte da importância da exata
descrição do objeto social:
“Daí que a descrição do objeto
social é de maior importância, pois parte-se da ideia de que a sociedade existe
apenas para a realização do objeto social e sendo perigosos os atos que o
violam, tanto para os acionistas como para os credores, devem ser declarados
nulos por terem sido praticados ultra vires” (p.367).
A prática por parte de sócio-administrador, não só de uma sociedade por
ações, mas de qualquer tipo societário, que extrapole os limites divisados
pelos sócios constantes no contrato social, especialmente, no objeto social,
são nulos de pleno direito.
Até o advento do Código Reale em 2002 (Código Civil) o direito
brasileiro não adotava expressamente a “teoria ultra vires”. Requião, no
entanto, salienta (p. 367) que a jurisprudência dos tribunais, mesmo não
expressa em Lei, aplicava a teoria “ultra vires”:
”Na
jurisprudência brasileira podem ser encontrados casos semelhantes de aplicação
da teoria ultra vires, dando nulos atos praticados por gerentes sociais em
atividades estranhas ao objeto social da sociedade, mas, ao contrário dos
efeitos buscados na aplicação da teria, entende-se que a sociedade deve
responder por atos de seus administradores perante terceiros de boa-fé, porque
esses atos foram realizados sob a aparência da legalidade contratual ou
estatutária – teoria da aparência.”
Importante denotar a compatibilidade da aplicação simultânea das duas
teorias (ultra vires e aparência). Ao
passo em que o ato ultra vires é
declarado nulo de pleno direito, o terceiro de boa-fé se vê protegido pela
teoria da aparência. Quanto a esta
última, o Juiz João Batista, também citado por Requião, enumera os requisitos
para a sua admissibilidade:
“De um
modo geral, a doutrina tem exigido os seguintes essentialia para a
admissibilidade da teoria da aparência: a) existência de situação de fato que
se apresente como situação de direito; b) que tal situação não contrarie os
fatos normais da vida, nem o ordenamento jurídico; c) que o sujeit em favor de
quem se invoca a teoria tenha sido induzido em erro pelas circunstâncias do
fato; d) que o erro seja escusável.”
Entendemos, no entanto, que a aplicação da “teoria da aparência” tão
somente tem abrigo a partir do momento em que se revele uma hipossuficiência
entre as partes no contrato, por exemplo, contratos de consumo ou entre
sociedades empresárias onde é manifesta a diferença de envergadura econômica. Justificamos
nosso entendimento por força da legalidade. A teoria “ultra vires”, com a
entrada em vigor do Código Civil, passou a constar no regime jurídico das
sociedades simples, ou pelo menos, possui norma jurídica em si inspirada;
vejamos:
"Art. 1.015. No
silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos
pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração
ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores
somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes
hipóteses: (grifou)
I - se a limitação de
poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era
conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação
evidentemente estranha aos negócios da sociedade. (grifou)"
Por fim, saliente-se que, quando a sociedade limitada tem por diploma de
regência supletiva o regime jurídico das sociedades simples, a vinculação da
pessoa jurídica a atos praticados em seu nome não se consuma caso exercido o
ato em descompasso com o objeto social.
Bibliografia:
REQUIÃO, Rubens, Manual de
Direito Comercial e de Empresa, Teoria Geral da Empresa e Direito Societário, Saraiva,
9ª edição, 2012
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