sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Precisamos de um novo Código Comercial?



Escrevemos aqui nesta coluna sobre a pertinência de um novo código comercial (CCo). Mostramos que, em tese, a ideia é boa se fosse para separar bem a atividade empresarial de outros ramos do direito privado, recuperando princípios e valores próprios do direito comercial. Na matéria de contratos, levantamos já os pontos positivos como reconhecimento da liberdade contratual, da boa-fé e dos usos e costumes. Vejamos a partir de agora, então, pontos em que o projeto merece adequações de rumo a fim de evitar maiores problemas que temos hoje com a regulação da matéria empresarial no Código Civil. Entendemos que se estes pontos não forem corrigidos, haveria contaminação do atual direito civil e, portanto,não se atingiria o objetivo de preservar princípios e valores específicos da atividade empresarial.
Coerente com o modelo de código principiológico adotado na sua confecção, o projeto traz um capítulo atinente aos princípios gerais dos contratos comerciais. O artigo 303 diz que são princípios do direito contratual empresarial: (...) III - proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas. Já o artigo 316 diz que o contrato empresarial deve cumprir sua função social. O parágrafo único prevê que o contrato empresarial não cumpre a função social quando, embora atendendo aos interesses das partes, prejudica ou pode prejudicar gravemente interesse coletivo, difuso ou individual homogêneo. Já o artigo 317 estabelece que Ministério Público e os demais legitimados podem pleitear a anulação do negócio jurídico, provando o descumprimento da função social.
Percebe-se que o projeto contempla norma sobre a chamada função social do contrato, que apareceu de forma inédita na legislação brasileira no Código Civil, artigo 421. E o equívoco aumenta ao tentar contrabandear um princípio de natureza consumerista de proteção do contratante mais fraco.
O direito comercial deve ser dinâmico e flexível, feito pelos empresários
Muito se discutiu na literatura jurídica e na jurisprudência acerca do significado deste artigo, bem como sobre suas implicações práticas (nulidade, anulabilidade, ineficácia).
Já no âmbito empresarial, os manuais tradicionais sobre a matéria de comercial não costumam trazer uma definição ou mesmo um conceito para a função social dos contratos empresariais. Na I Jornada de Direito Comercial promovida pelo Conselho da Justiça Federal em 2012, chegou-se a um conceito estipulativo (proteção dos interesses difusos e coletivos). Não sendo este enunciado parte do direito positivo (direito posto), antecipa-se muita discussão acerca do significado deste instituto para o direito comercial.
De outra parte, no plano dos efeitos, o projeto parece tomar partido sobre a nulidade, tanto que o Ministério Público (MP) poderia pleiteá-la em juízo.
Nesse diapasão, hipoteticamente, o MP teria legitimidade para ajuizar ação contra duas grandes empresas perante um juiz cível em qualquer comarca do país porque supostamente elas não teriam atendido a sua função social (na visão do promotor de Justiça!, diga-se de passagem).
Neste particular, acredita-se que como redigido, o Projeto não possa ser aprovado. Com efeito, a vagueza semântica do seu artigo 317 permite uma margem de discricionariedade muito elevada tanto para o MP, quanto para juízes. Pense-se, por exemplo, no prejuízo que uma guerra de liminares promovida pelo MP poderia provocar para a livre iniciativa, para as empresas do países - que são as principais geradoras de riqueza nacional.
Há aqui uma assimetria provocada pela natureza pública do MP. Este órgão que é fundamental para o Estado Democrático de Direito por vezes abusa seu direito de litigar, ancorado na ausência do dever que todas as partes têm de pagar a sucumbência à parte vencedora. E acaba gerando danos ao mercado por conta de um excesso de litigiosidade, sem ser obrigado a ressarcir sequer a parte vencedora no litígio. Trata-se de um perfeito de incentivo perverso criado por uma regra jurídica e que exemplifica o conceito de externalização do custo do litígio à empresa processada e à sociedade por reflexo.
Infelizmente também, é sabida a deficiência do MP (e mesmo do Judiciário) nos temas mais sofisticados do direito comercial, refletida na própria exigência das provas do concurso público de admissão na carreira, muito mais focados em direito e processo penal e civil. Quase nenhum Estado da Federação conta com varas especializadas em empresas.
Pense-se, ademais, em inquéritos civis instaurados em comarcas longínquas da federação por promotores ainda imaturos (alguns com cerca de 25 anos de idade!) a fim de verificar se empresas cumpriram sua função social - o que já vem acontecendo por sinal nas áreas ambiental e do consumidor.
Não se está aqui a dizer que empresas não devam ser supervisionadas ou reguladas. Mas para isso, já existe o direito ambiental, administrativo, concorrencial. Todos eles contando com plena participação do MP.
Devemos deixar o direito comercial, um direito dinâmico e flexível, feito pelos empresários, eminentemente privado.
Luciano Benetti Timm é advogado, doutor em direito na UFRGS. pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Berkeley, Califórnia. Ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia. Professor do Programa de Pós Graduação da Unisinos/RS


Fonte: Valor Econômico - Luciano Benetti Timm

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