quarta-feira, 3 de junho de 2009

Manutenção de seguro de vida em grupo

Inclui grifos:

Agravo de Instrumento n. 2008.069882-3, de Blumenau
Relator: Des. Eládio Torret Rocha
A unilateral e desmotivada rescisão, pela seguradora, de contrato de seguro de vida em grupo - em vigor há alguns anos - contraria frontalmente o Código de Defesa do Consumidor quanto ao princípio da boa-fé objetiva dos negócios (art. 4°, inc. III), pois frustra a expectativa dos segurados em manter seus interesses protegidos nos moldes pactuados no início da avença, e, bem assim, porque os coloca, ademais, nessa relação jurídica constumeiramente de longa duração, em evidente posição de desvantagem, prática vedada pela sistemática consumerista vigente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.069882-3, da comarca de Blumenau (2ª Vara Cível), em que é agravante Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A, e agravada Eletro Mecânica Ideal Ltda.:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas de lei.
RELATÓRIO
Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A. interpôs agravo de instrumento contra decisão que, nos autos da ação ordinária de manutenção de contrato de seguro de vida em grupo c/c constituição de obrigação de fazer c/c consignação em pagamento n. 008.08.013886-9, da comarca de Blumenau, que lhe move Eletro Mecânica Ideal Ltda., deferiu o pedido de tutela antecipada determinando a renovação da apólice que a agravante mantém com a agravada, nas mesmas condições originalmente pactuadas, inclusive quanto aos reajustes, com a emissão de novo certificado e carnê de pagamento, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) (fls. 67/70).
Alegou, em síntese, que: a) não foram preenchidos os requisitos do art. 273, do CPC; b) o valor do prêmio é calculado de acordo com os riscos contratados e, uma vez constatado o aumento deles, restou inevitável o reajuste do valor do prêmio; c) decidiu pela não renovação contratual depois que concluiu que o prêmio, em decorrência do aumento dos riscos, ficaria por demais oneroso para as agravadas, o que provocaria grave desequilíbrio contratual; d) existe cláusula expressa nas condições gerais do seguro que prevê a possibilidade de recusa em renovar o contrato; e, e) a cláusula que estabelece a possibilidade de não-renovação foi devidamente autorizada e regularmente fiscalizada pela Susep - Superintendência de Seguros Privados.
Pugnou, finalmente, pelo provimento do recurso.
O pedido de efeito suspensivo foi negado (fls. 95/96).
Regularmente intimada, a agravada deixou de apresentar contra-razões (fl. 101).
É o sucinto relatório.
VOTO
Admito o recurso da seguradora, porém penso que razão se lhe não assiste.
A questão central do presente agravo cinge-se à legalidade - ou não - da postura adotada pela seguradora, ora recorrente, de, unilateralmente, resolver não renovar os contratos de seguro ao término do período de sua vigência, em virtude, segundo alega, do aumento dos riscos inicialmente contratados, o que, conseqüentemente, provocaria elevação no valor do prêmio, tornando o contrato oneroso demais para a agravada.

Enfatizo, de início, que o Código de Defesa do Consumidor é plenamente aplicável aos contratos de seguro, não como legislação complementar, mas sim como norma geral regulamentadora. E isso porque, neste tipo de contrato, estão presentes os três elementos da relação jurídica negocial disciplinada pelo referido diploma, a saber: o consumidor (art. 2°); o fornecedor (art. 3°, caput); e o objeto da prestação, que consiste na garantia da pessoa ou da coisa contra riscos predeterminados, mediante pagamento de prêmio.
Estabelecida esta premissa, fácil concluir, pois, que o princípio da boa-fé objetiva, disciplinado pelo art. 4o, III, do CDC, igualmente deverá ser observado como paradigma para toda relação de consumo, com o objetivo de regular a conduta dos contratantes, inibindo-lhes práticas abusivas.

Oportuno destacar, ainda, que o Código Civil adotou o princípio da boa-fé objetiva nos contratos de seguro, disciplinando em seu art. 765 que "O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".
Além disso, como é consabido, a legislação consumerista traz no seu artigo 51 o rol de cláusulas contratuais abusivas, as quais colocam o consumidor em total desequilíbrio na relação de consumo, elencando e declarando nula de pleno direito aquela que autorize o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente.
Feitas estas importantes considerações que servirão de base para o deslinde da questão, passo, pois, à análise, no caso concreto, da presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada.
Ora, o artigo 273 do CPC impõe que a antecipação de tutela somente é viável caso estejam demonstrados, em síntese, a verossimilhança das alegações (amparada por prova inequívoca) e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
As partes, no caso, firmaram contrato de seguro de vida em abril de 2005 - conforme consta da cópia da petição inicial da ação originária (fl. 25) - o qual vinha sendo renovado sucessivamente até junho de 2008, quando então a seguradora cancelou o contrato, informando que seria impossível manter o pactuado, devido à "inviabilidade técnica e comercial das condições e custos anteriormente praticados" (fls. 56 e 62).
Ocorre que, analisando as argumentações esposadas na inicial, constata-se que o verdadeiro motivo da negativa de renovação das apólices deveu-se à mudança de faixa etária de alguns segurados ou, como afirmou a própria agravante, a "diferença entre a configuração do grupo atual e a do grupo originalmente contratado" (fl. 07).

Ora, como visto, a empresa segurada é a mesma, e o que mudou, conforme narrado, foi o perfil de alguns empregados desta - beneficiários do seguro de vida, que agora apresentam idade mais elevada - incrementando o risco de incidência dos eventos danosos previstos no contrato.

Assim, não há negar, o objetivo maior da recorrente é, simplesmente, alcançar o máximo de lucro nas suas atividades, desconsiderando outros valores jurídicos relevantes, caso contrário não tomaria como base a idade dos segurados para calcular o valor do prêmio.
Por seu turno, imperioso destacar que a relação contratual entre os litigantes já perdura por longo tempo - 3 (anos) anos - não se mostrando correto, tampouco razoável, que, de uma hora para outra, sejam os segurados surpreendidos com uma rescisão unilateral de contrato.
Realmente soa muito tentador - mas proporcionalmente injurídico - para as seguradoras, manterem no seu rol de clientes somente indivíduos jovens, com baixo grau de sinistralidade, altamente rentáveis, para depois, com o passar do tempo e o aumento da probabilidade dos riscos e danos acontecerem, simplesmente enviar uma notificação informando que devido à "inviabilidade técnica e comercial", não possuem mais interesse em mantê-lo como segurado.
Ora, de se concluir, então, que tanto a justificativa quanto a conduta apresentadas pela recorrente revelam-se, para se dizer o mínimo, abusivas e ilícitas, ferindo de morte, entre outros, o princípio da boa-fé objetiva, balizador dos contratos, como anteriormente exposado.
Deve-se ressaltar, por oportuno, que às avenças de seguro aplica-se a teoria do contrato de longa duração, no qual, segundo precedente desta Corte "o consumidor (cativo-cliente) possui expectativas de que a avença não tenha sua continuidade rompida, salvo na hipótese de relevante modificação na relação fática apresentada quando da contratação" (AI n. 2007.021869-1, de Chapecó, Rela. Desa. Salete Silva Sommariva), o que, acrescento, não se configurou na hipótese.
Assim, pode-se afirmar, em análise perfunctória, que ausente qualquer justificativa plausível que autorize a recorrente a resilir unilateralmente o contrato de seguro, deve este manter-se íntegro como inicialmente convencionado, sob pena de se promover a insegurança e a instabilidade desse tipo de relação jurídica, em prejuízo da parte mais fraca.
Portanto, dessume-se cristalino que, diante das circunstâncias apresentadas, a prova inequívoca que demonstra a verossimilhança das alegações do recorrido está caracterizada pela adesividade da avença, pela abusividade da cláusula que nega a renovação do contrato e, ainda, pela manifesta incidência da legislação consumerista, autorizando o deferimento da antecipação de tutela de mérito.
Vislumbra-se, por sua vez, a presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tendo em vista que não podem os empregados da recorrida ficarem desprovidos da cobertura securitária enquanto esperam pela solução definitiva do processo, justamente em um período de vida em que ficam mais propensos aos riscos cobertos pelo seguro.
Nessa linha, cito precedente desta 4ª Câmara de Direito Civil, segundo o qual "Verificados todos os requisitos do art. 273, do Código de Processo Civil, a tutela antecipada deve ser deferida. Aplica-se aos contratos de seguro de vida a teoria dos contratos cativos de longa duração, mantendo-se o consumidor na continuidade da avença firmada entre os litigantes. Mostra-se abusivo o comportamento da seguradora que, sob o pretexto de readequação contratual, impõe a contratação de novo plano, mais oneroso ao segurado". (AI n. 2007.000599-1, de Blumenau, Rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 22.11.2007).
Isso posto, pelo meu voto eu conheço do recurso e nego-lhe provimento, para manter, porque correto, o despacho combatido.
DECISÃO
Do exposto, nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Participaram do julgamento, realizado no dia 5 de março de 2009, os Exmos. Srs. Desembargador Monteiro Rocha e Desembargador Victor Ferreira.
Florianópolis, 6 de março de 2009.
Eládio Torret Rocha
PRESIDENTE E Relator

Gabinete Des. Eládio Torret Rocha

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