Vou me valer de acórdão da lavra do Desembargador Luiz César Medeiros, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, do qual tive a satisfação de ser acadêmico na Faculdade de Direito de Joinville, para traçar algumas linhas a respeito do tema.
No caso (acórdão em apelação cível n. 2007.054296-3, de 08-01-2009) a parte vencida recorreu ao Tribunal alegando que a autora da ação - uma pessoa jurídica - não podia ser qualificada como consumidora, já que o CDC dispõe que consumidor é sempre o destinatário final de produto ou de serviço. Vejamos o acórdão:
“(...) não merece guarida a alegação de que por se tratar de pessoa jurídica não se enquadra no conceito de consumidor”.
“Do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se o erudito voto da lavra da Ministra Nancy Andrighi acerca da matéria:
"Recentemente, a Segunda Seção deste STJ superou discussão acerca do alcance da expressão 'destinatário final', constante do art. 2º do CDC, consolidando a teoria subjetiva (ou finalista) como aquela que indica a melhor diretriz para a interpretação do conceito de consumidor.
"Segundo a teoria preferida, a aludida expressão deve ser interpretada restritivamente. Com isso, o conceito de consumidor deve ser subjetivo, e entendido como tal aquele que ocupa um nicho específico da estrutura de mercado - o de ultimar a atividade econômica com a retirada de circulação (econômica) do bem ou serviço, a fim de consumi-lo, de forma a suprir uma necessidade ou satisfação eminentemente pessoal.
"Para se caracterizar o consumidor, portanto, não basta ser, o adquirente ou utente, destinatário final fático do bem ou serviço: deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta.
"Nesse prisma, a expressão "destinatário final" não compreenderia a pessoa jurídica empresária.
Bom, vamos sintetizar: Pela Teoria Subjetivista ou Finalista, adotada pelo STJ, para que a pessoa jurídica possa ser qualificada como consumidora:
- NÃO BASTA SER DESTINATÁRIA FINAL FÁTICA: Não pode só utilizar o produto ou o serviço no processo produtivo da atividade econômica. Exemplo: Compra de insumos. Os insumos são utilizados no processo produtivo. Por conseguinte, a PJ não é tida como consumidora.
- TEM QUE SER DESTINATÁRIA FINAL ECONÔMICA: Isto significa que “a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal”. Exemplo: Seguro contra incêndio. A PJ segurada busca o atendimento de uma necessidade privada e pessoal. Assim, é tida como consumidora na relação.
ENTRETANTO, HÁ UMA EXCEÇÃO A REGRA DO DESTINATÁRIO FINAL ECONÔMICO. RETORNEMOS AO ACÓRDÃO:
"Por outro lado, a jurisprudência deste STJ, ao mesmo tempo que consagra o conceito finalista, reconhece a necessidade de mitigação do critério para atender situações em que a vulnerabilidade se encontra demonstrada no caso concreto.
"Isso ocorre, todavia, porque a relação jurídica qualificada por ser 'de consumo' não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. Porque é essência do Código o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, princípio-motor da política nacional das relações de consumo (art. 4º, I).
"Em relação a esse componente informador do subsistema das relações de consumo, inclusive, não se pode olvidar que a vulnerabilidade não se define tão-somente pela capacidade econômica, nível de informação/cultura ou valor do contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda ser vulnerável pela dependência do produto; pela natureza adesiva do contrato imposto; pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável; pela extremada necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade, dentre outros fatores.
"Por isso mesmo, ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo, isto é, a relação formada entre fornecedor e consumidor vulnerável, presumidamente ou não. Cite-se, a respeito, recente precedente da 4ª Turma, pioneira na adoção do critério finalista: o Resp. 661.145, de relatoria do Min. Jorge Scartezzini, julgado em 22/02/2005, do qual transcrevo o seguinte excerto, porque ilustrativo:
'''Com vistas, porém, ao esgotamento da questão, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrada in concreto a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais. Quer dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção, e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor.'
"Ainda nesse contexto, cumpre lembrar que o STJ já houve por bem afastar a incidência do CDC, p.ex., se verificado o expressivo porte financeiro ou econômico: da pessoa tida por consumidora (hipersuficiência); do contrato celebrado entre as partes; ou de outra circunstância capaz de afastar, em tese, a vulnerabilidade econômica, jurídica ou técnica.
"De fato, os critérios jurisprudenciais têm avançado no sentido de se reconhecer a necessidade de mitigar o rigor excessivo do critério subjetivo do conceito de consumidor, para permitir, por exceção, a equiparação e a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários. Superada a questão da 'destinação final' do produto, agora a jurisprudência é incitada à formação das diretrizes para o reconhecimento da vulnerabilidade ou da hipossuficiência (aspecto processual) no caso concreto.
Ou seja, a exceção à regra do destinatário final econômico é a de que mesmo que a pessoa jurídica utilize o produto ou o serviço no seu processo produtivo, mas em sendo demonstrada a sua vulnerabilidade, o CDC é aplicável ao contrato e a pessoa jurídica é considerada (qualificada) como consumidora.
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