sexta-feira, 11 de setembro de 2009

HORAS EXTRAS - POLICIAIS MILITARES

Apelação Cível n. 2009.035849-6, da Capital

Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz

AÇÃO DE COBRANÇA - HORAS EXTRAORDINÁRIAS - POLICIAIS MILITARES - INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL - DIREITO EXISTENTE - RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDOS.

"A lei não veda o pagamento de horas extraordinárias além de 40 horas mensais; a vedação é dirigida aos administradores para que impeçam os seus subordinados de realizar horas extras que excedam este limite. Porém, se forem realizadas, devem ser pagas; do contrário haveria violação a princípio basilar de direito, inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XXIII), segundo o qual ninguém pode locupletar-se do trabalho de outrem. Implicitamente, encontra-se ele inserido na Constituição da República entre os 'direitos e garantias individuais' (art. 5º, § 2º) e no Código Civil. No dizer de Washington de Barros Monteiro, 'o Código adota princípio segundo o qual todo enriquecimento desprovido de causa produz, em benefício de quem sofre o empobrecimento, direito de exigir repetição [ou indenização, acrescento]. Essa obrigação de restituir funda-se no preceito de ordem moral de que ninguém pode locupletar-se com o alheio (nemo potest locupletari detrimento alterius ou nemo debet ex aliena jactura lucrum facere)'." (apelação cível n. 2008.048185-7, relator o desembargador Newton Trisotto, j. em 30.9.2008)." (Apelação cível n. 2007.064712-2, da Capital, Relator: juiz Jânio Machado, julgada em 31/3/2009).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.035849-6, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é apelante Estado de Santa Catarina, e apelado Claudiomarcos Leandro de Ávila e outros:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso voluntário e ao reexame necessário. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Claudiomarcos Leandro de Ávila, Valdir Tepe, Luizinho Lazzarotto, Tarciso Mighelão e Alberto Raul Kochhann ajuizaram ação de cobrança em face do Estado de Santa Catarina, relatando que são policiais e, além da carga horária de 40 horas semanais, realizam escala mensal de horas extras, pagas a título de "estímulo operacional". Afirmam que, embora tenham todos os meses carga horária superior a 200 horas mensais, recebem apenas os valores referentes a 160 horas regulares e 40 horas extras, limitadas pelo art. 3º, § 2º, da LC n. 254/03.

Assim, requereram o pagamento dos valores referentes às horas extras trabalhadas, vencidas nos últimos cinco anos, e vincendas, com seus respectivos reflexos.

Processado o feito, o magistrado julgou procedente o pedido, condenando o réu ao pagamento das horas extras não satisfeitas, com valores a serem apurados em liquidação de sentença, sendo admitida a compensação com as quantias já pagas, e respeitada a prescrição. Determinou o reajuste monetário pelo INPC e o acréscimo de juros de 0,5% ao mês.

Irresignado, o Estado interpôs recurso de apelação. Argumentou que a indenização de estímulo operacional não é sinônimo de pagamento de hora extra, tratando-se de remuneração especial decorrente das especificidades do serviço policial militar. Além disso, alegou que o pagamento de horas extras a policiais militares, além das 40 horas pagas a título de indenização de estímulo operacional, não tem previsão legal. Afirmou que o direito à hora extra e à limitação da jornada de trabalho não restou atribuído aos militares pela Constituição de 1988, não sendo lícito ao Judiciário, que não tem função legiferante, atribuir-lhes tais direitos. Pelo exposto, requereu o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido.

Apresentadas as contrarrazões, os autos ascenderam a este Sodalício.

VOTO

A Lei Complementar Estadual n. 137/95 instituiu em favor dos servidores pertencentes ao Grupo Segurança Pública, a Indenização de Estímulo Operacional, que corresponde à remuneração do serviço extraordinário. Estabeleceu um acréscimo de 50% (cinquenta por cento) ao valor das horas trabalhadas que excedam a carga horária de 40 (quarenta) horas semanais. Fixou ainda, um limitador, vedando o pagamento das horas extras que ultrapassem as 40 (quarenta) horas mensais (art. 3º, §§ 1º e 2º).

No tocante ao assunto, esta Câmara de Direito Público já se manifestou:

"ADMINISTRATIVO - POLICIAIS MILITARES - HORA EXTRA - INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL (LC Nº 137/95, ART. 2º) - DIREITO EXISTENTE

A Lei Complementar nº 137, de 1995, prevê que "fica instituída para os servidores pertencentes ao Grupo: Segurança Pública, Subgrupos: Técnico Científico e Técnico Profissional, pertencentes aos quadros da Polícia Civil e da Polícia Militar que efetivamente participam de atividades Finalísticas operacionais, a Indenização de Estímulo Operacional". Todavia, prescreve que não poderá "ultrapassar 40 (quarenta) horas mensais".

A lei não veda o pagamento de horas extraordinárias além de 40 horas mensais; a vedação é dirigida aos administradores para que impeçam os seus subordinados de realizar horas extras além daquele limite. Porém, se forem realizadas, devem ser pagas, do contrário haveria violação a princípio universal de direito, inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XXIII), de acordo com o qual ninguém pode se locupletar do trabalho de outrem. Implicitamente, encontra-se ele inserido na Constituição da República entre os "direitos e garantias individuais" (art. 5º, § 2º) e no Código Civil. No dizer de Washington de Barros Monteiro, "o Código adota princípio segundo o qual todo enriquecimento desprovido de causa produz, em benefício de quem sofre o empobrecimento, direito de exigir repetição [ou indenização, acrescento]. Essa obrigação de restituir funda-se no preceito de ordem moral de que ninguém pode locupletar-se com o alheio (nemo potest locupletari detrimento alterius ou nemo debet ex aliena jactura lucrum facere)".

Não há forma mais censurável de enriquecimento sem justa causa do que a resultante da exploração do trabalho alheio." (Apelação Cível n. 2007.057090-0, da Capital, rel. Des. Newton Trisotto, julgada em 29/7/2008).

Extrai-se do corpo do acórdão:

"1. Transcrevo os preceptivos constitucionais e legais relacionados com a pretensão do autor e com as teses suscitadas pelo Estado de Santa Catarina:

- Constituição da República

"Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

[...]

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir".

"Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores".

"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

[...]

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

[...]

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV".

- Lei Complementar nº 137, de 1995

"Art. 1º A Indenização por Regime Especial de Trabalho instituída pelo art. 11 da Lei Complementar nº 080, de 10 de março de 1993, passa a corresponder a 50% (cinqüenta por cento) da atual base de cálculo, desde 1º de maio de 1995.

Art. 2º Fica instituída para os servidores pertencentes ao Grupo: Segurança Pública, Subgrupos: Técnico Científico e Técnico Profissional, pertencentes aos quadros da Polícia Civil e da Polícia Militar que efetivamente participam de atividades Finalísticas operacionais, a Indenização de Estímulo Operacional, nas mesmas bases de remuneração do serviço extraordinário e do trabalho noturno.

§ 1º As atividades Finalísticas operacionais serão definidas por decreto do Poder Executivo.

§ 2º A Indenização de que trata este artigo será pago no mês subsequente ao do serviço realizado.

Art. 3º O valor da Indenização de que trata o artigo anterior, no que se refere a serviço extraordinário, é o resultado do valor/hora normal de trabalho acrescido de 50% (cinqüenta por cento) e multiplicado pelo número de horas extraordinárias.

§ 1º Horas extraordinárias são aquelas que excedem a carga horária de 40 horas semanais.

§ 2º A prestação de serviço extraordinário não está sujeita a limitação de carga horária semanal, não podendo ultrapassar 40 (quarenta) horas mensais.

Art. 4º O valor da Indenização de que trata o art. 2º desta Lei Complementar, no que se refere a horário noturno, corresponde a 25% (vinte e cinco por cento) do valor/hora normal de trabalho, multiplicado pelo número de horas noturnas.

§ 1º Considera-se hora noturna aquela compreendida no período entre 22 (vinte e duas) horas e 06 (seis) horas do dia seguinte.

§ 2º A hora noturna é considerada de 52 minutos.

§ 3º O trabalho noturno não está sujeito a limitação de carga horária.

Art. 5º A apuração do valor da hora normal, para fins do disposto nos arts. 2º , 3º e 4º desta Lei Complementar, é efetuada mediante a divisão da remuneração do servidor pela jornada mensal de trabalho, observado o critério de que 40 horas semanais correspondem a 200 horas mensais".

- Lei Complementar nº 254, de 2003

"Art. 16. O caput do art. 2º da Lei Complementar nº 137, de 22 de junho de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º Fica instituída para os servidores pertencentes ao Grupo Segurança Pública - Corpo de Bombeiros Militar, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Civil, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Militar, ao Grupo Segurança Pública - Sistema Prisional e ao Grupo Segurança Pública - Sistema de Atendimento ao Adolescente Infrator, do Sistema de Segurança Pública, da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, que efetivamente participam de atividades finalísticas operacionais, a Indenização de Estímulo Operacional, nas mesmas bases da remuneração do serviço extraordinário e do trabalho noturno".

"Art. 35. Ficam revogados [...] os arts. 1º [...] da Lei Complementar nº. 137, de 22 de junho de 1995, [...] e demais disposições em contrário".

- Lei Complementar nº 374, de 2007

"Art. 8º O caput do art. 2º da Lei Complementar nº 137, de 22 de junho de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º Fica instituída para os servidores pertencentes ao Grupo Segurança Pública - Corpo de Bombeiros Militar, ao Grupo Segurança Pública - Perícia Oficial, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Civil, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Militar, ao Grupo Segurança Pública - Sistema Prisional e ao Grupo Segurança Pública - Sistema de Atendimento ao Adolescente Infrator, do Sistema de Segurança Pública, da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, que efetivamente participam de atividades finalísticas operacionais, a Indenização de Estímulo Operacional, nas mesmas bases da remuneração do serviço extraordinário e do trabalho noturno".

Em 30.11.2004 o Governador Luiz Henrique da Silveira editou o Decreto nº 2.697, pelo qual definiu "atividade finalística operacional, prevista no § 1o do art. 2o, da Lei Complementar no 137, de 22 de junho de 1995, alterada pela Lei Complementar nº 254, de 15 de dezembro de 2003":

"Art. 2º O pagamento de Indenização de Estímulo Operacional de que trata o art. 16, da Lei Complementar n. 254, de 15 de dezembro de 2003, ao pessoal integrante do Subgrupo Autoridade Policial Militar, Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar e Delegado de Polícia, obedecerá, temporariamente, aos limites máximos de valores definidos para cada cargo ou posto no anexo único, parte integrante deste Decreto.

Art. 3º A carga horária mensal de serviço extraordinário prestada pelos servidores públicos do sistema de Segurança Pública da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão - SSP, fica limitada em 40 (quarenta) horas mensais.

Parágrafo único. Ficam excluídos do limite de que trata o caput deste artigo, os servidores do Subgrupo Autoridade Policial Militar e Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar, e do Subgrupo Autoridade Policial do Grupo Segurança Pública - Polícia Civil, que estarão sujeitos ao teto de que trata o Anexo Único deste Decreto".

O Decreto nº 2.815, de 20 de dezembro de 2004, alterou o Decreto nº 2.697, de 30 de novembro de 2004, in verbis:

"Art. 1º O art. 1º, o § 1º do art. 2º e o art. 3º, do Decreto nº 2.697, de 30 de novembro de 2004, passam a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 1º Para fins de pagamento da indenização de estímulo operacional de que trata o art. 2º, da Lei Complementar nº 137, de 22 de junho de 1995, com o 'caput' alterado pelo art. 16, da Lei Complementar nº 254, de 15 de dezembro de 2003, é considerada atividade finalística operacional todo o serviço de escala realizado pelos servidores pertencentes ao Grupo Segurança Pública - Corpo de Bombeiros Militar, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Civil, ao Grupo Segurança Pública - Polícia Militar, ao Grupo Segurança Pública - Sistema Prisional e ao Grupo Segurança Pública - Sistema de Atendimento ao Adolescente Infrator, do Sistema de Segurança Pública, da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão - SSP.

Art. 2º .................

§ 1º Os limites estabelecidos no 'caput' deste artigo poderão ser extrapolados em casos de grave perturbação da ordem pública, calamidades ou situações extraordinárias que exijam o emprego imediato de militares estaduais ou policiais civis, definidos pelo Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

Art. 3º O pagamento de vantagem financeira decorrente de serviço extraordinário prestado pelos servidores públicos do sistema de Segurança Pública da Secretaria de Estado da Segurança Pública e de Defesa do Cidadão - SSP, observará os limites estabelecidos em lei'".

O Decreto nº 2.697 foi revogado pelo Decreto nº 518, de 9 de agosto de 2007, ressalvando expressamente:

"Art. 2º Ficam convalidados os pagamentos efetuados em valores superiores aos estabelecidos no Anexo Único do Decreto nº 2.697, de 30 de novembro de 2004, obedecidos os limites estabelecidos em lei".

Conforme se infere dos preceitos legais reproduzidos, a lei autoriza o pagamento da "Indenização de Estímulo Operacional" aos policiais militares, que corresponde a "remuneração [e nas mesmas bases] do serviço extraordinário e do trabalho noturno"."

Segundo se constata dos autos, "os autores recebem apenas os valores referentes à 160 (cento e sessenta) horas de carga horária regular e 40 (quarenta) horas extras limitadas pelo art. 3º, § 2º da LC 254/03" (fl. 4). Nota-se que o réu não nega o trabalho extraordinário realizado pelos autores, além das 40 (quarenta) horas mensais. Todavia, nega-lhes o direito, alegando ausência de amparo constitucional e legal para o pagamento do serviço extraordinário aos militares.

Ocorre que o fato de a Constituição Federal não ter estendido aos militares o direito ao recebimento de horas extras, e a peculiaridade de a Lei Complementar n. 137/95, ter limitado a possibilidade de pagamento das horas extraordinárias à 40 (quarenta) horas mensais, não podem servir de escudo para o Estado impor à categoria, a prestação de serviço não remunerado. Ainda que a Constituição não tenha estendido o direito aos servidores militares, a lei estadual prevê a remuneração do trabalho extraordinário. A jornada de trabalho imposta aos militares, já que eles não podem negar-se a trabalhar quando convocados por superior hieráquico, sob pena de punição disciplinar, indica que o Estado supre a carência de servidores com a imposição de trabalho extraordinário. Sendo assim, não é lícito que se negue a pagar as horas laboradas além do limite determinado em lei, tendo em vista o princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Nesse contexto, colhe-se do voto do Juiz Jânio Machado:

"A decisão de primeiro grau, que é objeto do recurso voluntário interposto pelo Estado de Santa Catarina e de reexame necessário, por força do art. 475 do Código de Processo Civil, não merece qualquer reparo, impondo-se a sua manutenção, o que se faz pelas mesmas razões invocadas pelo digno magistrado Hélio do Valle Pereira, com fulcro no art. 150 do Regimento Interno desta Casa:

"1. Impossível sustentar, diga-se desde logo, que os militares não estejam submetidos a limites quanto à jornada de trabalho. A se defender que estariam desprovidos de tal proteção, seria defensável que ficariam integralmente à disposição da entidade - em regime equiparável somente à escravidão.

Esse absurdo não pode ser referendado.

Daí por que, mesmo que seja correto reconhecer que "A Carta Magna, ao conferir os direitos constitucionais dos policiais militares, deixou de conceder-lhes a garantia da jornada de trabalho de 8 h diárias ou 44h semanais de que trata o art. 7°, XIII e o repouso semanal remunerado constante do art. 7°, XV, do mesmo diploma", também é adequado referendar que nada 'impede que a lei infraconstitucional discipline o direito às horas extraordinárias' (TJSC, AC 2005.028104-5, rel. Des. Volnei Carlin).

2. A legislação catarinense, quanto aos policiais militares, criou a gratificação de estímulo operacional, que é o correspondente à remuneração do serviço extraordinário. Em síntese, cuida-se de satisfazer, com aditamento de cinqüenta por cento, as horas trabalhadas para além da 40ª semanal. Existe, ainda, um limitador, proibindo-se o pagamento para além 40 horas extras mensais (Lei Complementar 137/95: fls. 28).

Novamente, todavia, deve-se invocar a racionalidade.

É inaceitável que - mesmo havendo o limite quanto à remuneração - estivesse o Estado liberto para impor aos servidores (e pouco importa que sejam militares) trabalho que não fosse remunerado.

Lícito que a normatização imponha restrição quanto à extensão da jornada de trabalho. Defendem-se, dessas forma, dois valores: a saúde dos trabalhadores (que não ficaram sujeito a incessante faina) e as finanças públicas (que terão um teto quanto às despesas).

Coisa diversa é defender que, olvidados tais postulados, fique o trabalho despido de contraprestação financeira.

O erro está em a Administração impor jornadas de trabalho para além do permitido legalmente; o servidor público é que não poderá ser admoestado se ele é exatamente o principal prejudicado.

Sabe-se que, em princípio, o reconhecimento da nulidade de um ato administrativo o fulmina com eficácia ex tunc, tal qual jamais houvesse existido. Só que, 'para evitar a violação do direito de terceiros, que de nenhuma forma contribuíram para a invalidação do ato, resguardam-se tais direitos da esfera de incidência do desfazimento, desde que, é claro, se tenham conduzido com boa-fé' (José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, Lumem Juris, 2002, p. 132-133).

Quer dizer, mesmo situações ilícitas podem gerar seqüelas patrimoniais.

Aliás, 'A necessidade de proteção da boa-fé dos administrados decorre do próprio princípio da moralidade (...). A boa-fé incorpora o valor ético da confiança. Representa uma das vias mais fecundas de irrupção do conteúdo ético e social na ordem jurídica e, concretamente, o valor da confiança. Serve de leito para integração do ordenamento, conforme algumas regras ético-materiais, como a idéia de fidelidade e de crédito, de crença e de confiança. (...) Por sua vez, o campo do Direito Administrativo é sem dúvidas um dos que mais gera a necessidade de proteção e respeito à boa-fé dos administrados em função de inúmeras prerrogativas a que a Administração faz jus em decorrência da supremacia do interesse público sobre o particular (...)' (Clarissa Sampaio Silva, Limites à invalidação dos atos administrativos, Max Limonad, 2001, p. 116-117).

Com as necessárias adaptações, pode-se fazer analogia do caso concreto com os atos praticados por funcionário 'de fato' - quando se recomenda a preservação dos efeitos daí existentes (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, RT, 2002, p. 227).

Por isso, a doutrina reafirma que o ato nulo, mesmo reconhecido esse vício, pode gerar a obrigação de indenizar. Logo, 'Em hipótese desta ordem, se o administrado estava de boa-fé e não concorreu para o vício do ato fulminado, evidentemente a invalidação não lhe poderia causar um dano injusto e muito menos seria tolerável que propiciasse, eventualmente, um enriquecimento sem causa para a Administração. Assim, tanto devem ser indenizadas as despesas destarte efetuadas como, a fortiori, hão de ser respeitados efeitos patrimoniais passados atinentes à relação atingida' (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Malheiros, 2000, p. 411)." (Apelação cível n. 2008.043014-2, da Capital, julgada em 31/3/2009). (Sem grifo no original).

O direito dos militares à percepção das horas extras foi reconhecido em outros julgados deste Sodalício:

"APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. ADMINISTRATIVO. POLICIAIS MILITARES DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CARGA DE TRABALHO DE 40 (QUARENTA) HORAS SEMANAIS. PERCEPÇÃO DE GRATIFICAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL LIMITADA A 40 (QUARENTA) HORAS MENSAIS. ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DAS HORAS EXTRAS EFETIVAMENTE LABORADAS, ALÉM DA QUADRAGÉSIMA MENSAL, QUE SE IMPÕE, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO ESTADO. PAGAMENTO DO LABOR EXTRAORDINÁRIO PRESTADO, INCLUSIVE AS PRESTAÇÕES VINCENDAS, COM TODOS OS SEUS REFLEXOS. IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. PRESCRIÇÃO APENAS DAS PRESTAÇÕES ANTERIORES AO QUINQUÊNIO QUE PRECEDEU O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DA MORA À TAXA DE 6% (SEIS POR CENTO) AO ANO, CONTADOS DA CITAÇÃO JUDICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ISENÇÃO DAS CUSTAS JUDICIAIS.

1. "A lei não veda o pagamento de horas extraordinárias além de 40 horas mensais; a vedação é dirigida aos administradores para que impeçam os seus subordinados de realizar horas extras que excedam este limite. Porém, se forem realizadas, devem ser pagas; do contrário haveria violação a princípio basilar de direito, inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XXIII), segundo o qual ninguém pode locupletar-se do trabalho de outrem. Implicitamente, encontra-se ele inserido na Constituição da República entre os 'direitos e garantias individuais' (art. 5º, § 2º) e no Código Civil. No dizer de Washington de Barros Monteiro, 'o Código adota princípio segundo o qual todo enriquecimento desprovido de causa produz, em benefício de quem sofre o empobrecimento, direito de exigir repetição [ou indenização, acrescento]. Essa obrigação de restituir funda-se no preceito de ordem moral de que ninguém pode locupletar-se com o alheio (nemo potest locupletari detrimento alterius ou nemo debet ex aliena jactura lucrum facere)'." (apelação cível n. 2008.048185-7, relator o desembargador Newton Trisotto, j. em 30.9.2008)." (Apelação cível n. 2007.064712-2, da Capital, Relator: juiz Jânio Machado, julgada em 31/3/2009).

"ADMINISTRATIVO - POLICIAL MILITAR - HORAS-EXTRAS - LEI COMPLEMENTAR N. 137/95 - INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL - JORNADA DE TRABALHO SUPERIOR A 40 HORAS EXTRAS MENSAIS - COMPROVAÇÃO DAS HORAS TRABALHADAS. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO - RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS

A Lei em epígrafe instituiu para os servidores pertencentes ao grupo: Segurança Pública, subgrupo: Técnico Científico e Técnico Profissional, constantes dos quadros da Polícia Civil e da Polícia Militar, que efetivamente participam de atividades Finalísticas operacionais, a "Indenização de Estímulo Operacional". Todavia, impôs o limite de 40 horas mensais. Contudo, a Administração Pública não pode deixar de ressarcir o trabalhador que prestou serviço extra, além do limite permitido por lei, se foi ela mesma quem a descumpriu, sob pena de enriquecimento sem causa." (Apelação Cível n. 2007.060039-9, da Capital, Relator: Des. José Volpato de Souza, julgada em 20/11/2008).

O direito à remuneração extraordinária também foi reconhecido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR MILITAR ESTADUAL. REMUNERAÇÃO POR JORNADA EXTRAORDINÁRIA E TRABALHO NOTURNO. AINDA QUE A LEGISLAÇÃO ESTADUAL VIGENTE ¿ ART. 48, §§ 8º E 10º DA LCE 10.990/97 ¿ EXIJAM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO PARA O PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS AO SERVIDOR MILITAR, SENDO A JORNADA EXTRAORDINÁRIA CORRIQUEIRA NÃO ESPORÁDICA, E EM NÚMERO MENSAL ELEVADO, À QUAL, ALIÁS, O SERVIDOR NÃO SE PODE RECUSAR, PENA DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR, O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, APLICÁVEL TAMBÉM À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, GERA O DIREITO À REMUNERAÇÃO RESPECTIVA. ADICIONAL NOTURNO, TODAVIA, INDEVIDO, POR AUSENTE PREVISÃO LEGAL QUANTO AO SEU PAGAMENTO, ALÉM DO TRABALHO NOTURNO SER INERENTE À FUNÇÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE, VENCIDO EM PARTE O VOGAL QUANTO À COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS." (Apelação Cível Nº 70022021653, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 21/02/2008).

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso voluntário e, em sede de reexame necessário, confirma-se a sentença.

DECISÃO

Ante o exposto, por votação unânime, nega-se provimento ao recurso voluntário e ao reexame necessário.

O julgamento, realizado em 4 de agosto de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Vanderlei Romer.

Florianópolis, 5 de agosto de 2009.

Sérgio Roberto Baasch Luz

Relator

 

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz

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