RECORRENTE:
TRANSPORTADORA GUAÇU LTDA.
RECORRIDO: CLÁUDIO
HELENO COUTINHO
EMENTA: HORAS EXTRAS. MOTORISTA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS.
APLICAÇÃO DA LEI 12.619 DE 30 DE ABRIL DE 2012. A partir da edição da Lei 12.619 de 30 de
abril de 2012, que dispõe sobre a situação do motorista profissional que
trabalha no transporte de cargas, não há mais dúvida de que o controle da
jornada pode ocorrer por meios eletrônicos idôneos como no caso dos autos em
que se adotou o rastreamento por satélite, reforçando ainda a possibilidade
de controle da jornada do motorista nessa condição, uma vez que prevê os
descansos intra e interjornada, a sujeição à jornada constitucional e os
intervalos diferenciados nas jornadas de longa distância.
Vistos, relatados e discutidos.
DECIDE-SE
RELATÓRIO
A MM. Juíza Titular da 2ª Vara do
Trabalho de Pouso Alegre, Luciana Nascimento dos Santos, pela sentença de
fls. 251/255, complementada pela decisão de fl. 288 (2º volume), cujo
relatório adoto e a este incorporo, julgou procedentes, em parte, os pedidos
iniciais.
A reclamada interpôs recurso
ordinário às fls. 261/287 (2º volume).
Contrarrazões ás fls. 291/298 (2º
volume).
Dispensado o parecer do Ministério
Público do Trabalho, nos termos do artigo 82, do Regimento Interno deste
Regional.
É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO
RECURSO ORDINÁRIO, ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES, POR IRREGULARIDADE DE
REPRESENTAÇÃO
O reclamante argui
a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário ao argumento de
que “...a carta de preposição apresentada pela recorrente à fl. 234,
foi assinada pelo patrono desta, Dr. Valmir Donizetti Ferreira Júnior, não
possuindo poderes para tanto...”(fl. 292, 2º volume).
Os advogados
nomeados pela reclamada, à fl. 235, inclusive o Dr. Valmir Donizetti
Ferreira, têm poderes específicos para nomear prepostos, não havendo qualquer
irregularidade na nomeação do preposto à fl. 234(2º volume).
Rejeito.
Conheço do recurso,
porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
MÉRITO
TRABALHO EXTERNO – MOTORISTA - HORAS
EXTRAS
A reclamada
insurge-se em face da sentença que a condenou ao pagamento de horas extras,
após a 44ª hora semanal, e decorrente das irregularidades nos intervalos
intrajornada e interjornadas, com repercussão em férias mais 1/3, 13os
salários, RSR's, FGTS e multa de 40%; feriados laborados, em dobro, com
reflexos em férias mais 1/3, 13ºs salários, FGTS e multa de 40% (fl. 254,
verso, 2º volume), sendo fixada a seguinte jornada de trabalho: das 6h às 22h,
com 30 minutos de intervalo intrajornada, de segunda-feira a sábado,
incluindo-se os feriados que coincidiram com aqueles dias (fl. 252, verso, 2º
volume).
Assevera que as
convenções coletivas de trabalho preveem a aplicação do disposto no inciso I,
do artigo 62, da CLT aos empregados que exercem atividades externas, caso do
autor, pelo que invoca violação aos artigos 5º, XXVI, 7º, XXVI e 8º, III e
VI, da CF.
Diz ser
incontroverso que o autor exercia atividade externa, na função de motorista
de carreta, realizando longas viagens.
Afirma que o
conjunto probatório comprovou que a jornada de trabalho do autor não era
controlada, não tendo ele se desvencilhado do seu encargo probatório (artigos
818, da CLT c/c 333, I, do CPC).
Invoca a OJ 332, da
SDI-1, do TST.
Pede, em caráter
eventual, a compensação dos valores pagos a título de horas extras.
O reclamante
comprovou, por meio da prova oral e documental, que a sua jornada de trabalho
era fiscalizada, o que afasta a aplicação do artigo 62, I, da CLT.
O preposto da
reclamada confirmou a utilização do sistema de rastreamento via satélite
(termo de audiência, fl.247, 2º volume), o que foi referendado pela prova
documental carreada às fls. 30/31.
A 1ª testemunha
ouvida a rogo do autor, José Maria Ferreira, disse, à fl. 248 (2º volume),
que “...trabalhou na reclamada de 05/01/2010 a 10/08/2010, como
motorista, fazendo rotas variadas; que os horários em que dava início às
viagens eram variados, a partir das 04h30min; que não havia um
horário fixo para encerramento do expediente, parando de trabalhar nos
clientes e ficando à disposição da empresa, até o final do descarregamento,
horário este que também era variado; que em média parava de
trabalhar às 22h/22h30min; que em média, começava a trabalhar às
04h30min/05h; que fazia intervalo para almoço de 25 a 30 minutos no máximo;
que a folga normalmente era aos domingos, mas normalmente faziam viagens
iniciando domingo a tarde, por determinação da empresa, para estar no cliente
na segunda-feira cedo; que nunca ficou 24 horas sem trabalhar; que a
remuneração que foi combinada com o depoente, quando da sua admissão, foi o
salário da categoria mais 40 horas extras por mês, o que era efetivamente
recebido pelo depoente; que a empresa controlava seus horários de
trabalho através de rastreamento; que para parar o caminhão, tinha que mandar
uma mensagem para eles, senão o caminhão era bloqueado; que eles em questão é
a empresa que controla o rastreamento, a Controlog, havendo também outras
operadoras contratadas; que a empresa lhe fornecia telefone celular, sendo
utilizado para, quando estava em casa, a empresa lhe avisar quando deveria
voltar para fazer a viagem; que o depoente também avisava o término da
descarga, quando então recebia coordenadas de novos serviços a serem realizados;
que os horários eram iguais para todos os motoristas, embora as viagens
pudessem ser as mesmas ou diferentes; que a esta altura, declara que recebia
mais 2% de comissão sobre o frete, de forma que até poderia fazer uma hora de
intervalo intra jornada, mas não o fazia em razão de querer receber a
comissão; que a comissão em questão não vinha no contracheque; que o
patamar do frete para pagamento da comissão, mínimo, era de R$17.000,00; que
trabalhava nos feriados, pois estava na estrada; que dormia no caminhão
quando estava em viagem, estacionado em postos de gasolina ou nas portas dos
clientes, sem segurança; que os postos contavam com mais motoristas em
pernoite; que acontecia mais de pernoitar nos postos; que no início das
viagens, partindo dos locais onde havia matriz e filial, pegava o caminhão na
empresa; que normalmente recebia ligações no celular durante a jornada da
controladora do rastreador, para saber se estava tudo bem quando o sinal do
rastreamento desaparecia em determinado lugar; que não sabe se alguém da
reclamada intermediava o rastreamento.” (grifos nossos).
A 2ª testemunha do
autor, Ronaldo Ferraz, declarou, às fls. 248/249 (2º volume), que “...trabalhou
para a reclamada do final de 2008 a setembro de 2009, como motorista; que
quando foi admitido, foi combinado o salário da categoria, mais R$625,00
mensais de diárias, mais 40 horas extras mensais, mais 2% de comissão sobre
frete, mais 1% de comissão sobre a média de combustível; que recebia as
comissões mês sim, mês não, havendo até três meses sem pagamento; que as
comissões não vinham nos holerites, sendo que as horas extras constavam, no
limite acima; que as diárias vinham em cartão separado; que não tinha
horário para começar as viagens no início do expediente, também não sendo
fixo o horário em que o serviço terminava; que aguardavam para serem chamados
para trabalhar na Unilever, mesmo quem morava em Pouso Alegre, sendo que
alguns aguardavam em casa; que o motorista tinha que acompanhar o
carregamento na Unilever; que poderia ser chamado para acompanhar o
carregamento às 06h, 08h ou 12h, por exemplo; que parava para dormir
quando lhe desse sono e para tomar banho quando fosse necessário, eis que
tinha interesse em receber comissão, acrescentando também que descansava
enquanto aguardava o descarregamento, resposta dada à pergunta: "Se o
depoente tem como dizer uma média de horas em que trabalhava por dia";
que quando estava com a entrega agendada no cliente, almoçava em somente 30
minutos, mesmo tempo caso não houvesse entrega agendada; que trabalhava todos
os dias da semana, incluindo feriados; que o reclamante foi admitido antes do
depoente; que o caminhão era estacionados nos clientes ou em postos de
gasolina quando o depoente dormia, não havendo segurança; que o
caminhão era rastreado pela Autotrac, depois pela Controlog e por último pela
Cominilink; que havia uma central da empresa de rastreamento para onde os
motoristas telefonavam, sendo que o Vagner, que trabalhava no escritório da
reclamada, em Jundiaí, não sabendo o depoente dizer se era registrado da ré
ou não, também controlava o rastreamento; que a esta altura, declara que
trabalhou para a reclamada também de dezembro/2011 a janeiro/2012, como
motorista, fichado; que em Mogi Guaçu, havia outra pessoa da reclamada que
também controlava o rastreamento, não lembrando o seu nome; que acredita que
o Vagner controlava o rastreamento de todos os caminhões e não apenas
daqueles que partiam de Jundiaí; que a reclamada sempre telefonava para o
reclamante durante o expediente para saber onde o mesmo estava e a que horas
iria chegar nos clientes.”(grifos nossos).
Os depoimentos
prestados pelas testemunhas empresárias não deixam dúvidas de que a
recorrente tinha acesso aos dados do rastreamento dos caminhões. Vale
transcrever trechos dos referidos depoimentos:
“trabalha para a reclamada como
agregado, desde 1993, em caminhão próprio; que seu caminhão é
rastreado pela Ominiloc, sendo que a reclamada tem acesso aos dados do
rastreamento...”(depoimento da
testemunha Flávio Roberto Fernandes, fl. 249, 2º volume).
“que trabalha na reclamada há um ano,
na função acima; que não trabalhou diretamente com o reclamante; que a
reclamada tem acesso aos dados do rastreamento da empresa contratada, cujo
nome não se recorda...” (depoimento
da testemunha Daniel Henrique de Arruda, fl. 249, 2º volume).
A prova testemunhal
também evidenciou que a recorrente fornecia telefone celular aos motoristas,
o que corrobora a tese de que havia controle de jornada.
Além do mais, com a
edição da Lei 12.619 de 30 de abril de 2012 dispondo sobre a situação do
motorista profissional que trabalha no transporte de cargas, não há mais
qualquer dúvida de que o controle da jornada pode ser admitido por meios
eletrônicos idôneos como no caso dos autos em que se adotou o rastreamento
por satélite, determinando ainda a referida lei que o motorista nessa
condição pode ter a sua jornada controlada, pois prevê os descansos intra e
interjornada, a sujeição à jornada constitucional e intervalos diferenciados
nas jornadas de longa distância.
Em casos como o
presente, reformulando entendimento anterior, não há que se falar na
aplicação da OJ 332 da SBDI-1 do TST, que se refere ao autotrac, que é bem
diferente do controle por rastreamento.
As cláusulas
convencionais que preveem a desnecessidade de os empregados excercentes de
atividade externa registrarem a jornada de trabalho, desde que estejam em
exercício de atividade num raio superior a 30 Km do Município sede ou filial
onde foram contratados (v. g. cláusula 23ª, CCT 2009/2010, fls. 189/190, 1º
volume), não têm aplicabilidade ao caso presente. Prevalece o princípio da
primazia da realidade sobre a forma, ou seja, a prova dos autos no sentido de
controle efetivo da jornada de trabalho do autor.
O acordo de
prorrogação e compensação de horas extras (fl. 159), que prevê o pagamento de
40 horas extras mensais, para os empregados que exerçam atividades externas
também não tem o condão de alterar o deslinde da controvérsia, ante o
princípio da primazia da realidade sobre a forma.
Apenas se aplicaria
a OJ 332, da SDI-I do TST, que serve de fundamento para rejeição das horas
extras, caso referido instrumento não estivesse acompanhado de outras provas,
o que não é o caso dos autos.
Ao contrário das alegações
empresárias, o depoimento da 2ª testemunha do autor, Ronaldo Ferraz, apenas
se mostrou oscilante em relação ao trabalho aos domingos (vide fls. 248/248,
2º volume). Referida testemunha foi firme e convincente em relação às outras
matérias litigiosas.
A MM. Juíza
sentenciante deferiu a dedução de valores pagos a idêntico título (fl. 254,
2º volume).
Ilesos os
dispositivos constitucionais e legais invocados.
Nego provimento.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
O juízo de primeiro
grau condenou a ré a pagamento de multa por litigância de má-fé, com base nos
artigos 17, I e 18, do CPC, por entender que houve alteração na data de
pagamento constante do TRCT.
A recorrente
afirmou, em sede de contestação (fl. 139, 1º volume), que “O TRCT
demonstra que as verbas rescisórias foram devidamente quitadas em 11/07/2011,
desta forma, considerando que o afastamento definitivo do Reclamante ocorreu
em 10/07/2011, indevida a multa postulada e prevista no §8º, do artigo
477...”.
O TRCT de fl. 156
(1º volume) demonstra que o pagamento das verbas rescisórias e a homologação
pelo sindicato profissional ocorreram em 25.07.2011, sendo manifesta a
litigância de má-fé por parte da recorrente.
Nego provimento.
CONCLUSÃO
Em face do exposto,
rejeito a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário por
irregularidade de representação e dele conheço. No mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO.
Fundamentos pelos quais,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, por sua Segunda
Turma, unanimemente,
rejeitou a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário por
irregularidade de representação, dele conhecendo; por maioria de votos,
negou-lhe provimento, vencido, em parte, o Exmo. Desembargador Revisor, em
relação às horas extras.
Belo Horizonte, 16
de outubro de 2012.
LUIZ RONAN NEVES KOURY
Desembargador Relator
LRNK/apf
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário