É cultural em nosso país uma produção legislativa intensa. Há leis para tudo e para todos. De passagem, leis que nem sempre são observadas, ora por carecerem de legitimidade - o povo não quer e não cumpre a lei - ora por falta de fiscalização do próprio estado que resolve fechar os olhos e deixar a lei na folha de papel. Há, todavia, momentos brilhantes na história legislativa, onde diplomas legais não só são observados, mas funcionam como verdadeiros meio de transformação de conduta social. Um exemplo deste brilhantismo é o do Código de Defesa do Consumidor que sem sombra de dúvida, além da popularidade que amealhou no decorrer dos anos, tornou-se num instrumento de fomento de cidadania.
A idéia da criação de uma lei que trate especificamente sobre consumo se vincula a higidez da economia e a noção da vulnerabilidade econômica e técnica do consumidor frente aos organismos empresariais. Sobretudo, o fenômeno da criação de demanda se dá quase que invariavelmente pelo apelo às ferramentas de marketing (propaganda, promoção, publicidade e concurso) sendo o consumidor motivado diuturnamente à aquisição de novos produtos e serviços. Produtos e serviços que - a despeito de oportunizarem novas tecnologias, conforto e sofisticação - nem sempre são indispensáveis à vida cotidiana.
Nisto, o consumidor pode se ver inserido numa verdadeira roda viva, entendendo imprescindível sempre adquirir o novo modelo, a nova versão, o novo produto, o novo serviço. Aliás, a modernidade impõe status a quem acompanha a novidade e, por conseguinte, frustração pelo uso do velho, do démodé. Assim, dentre outras razões, vê-se necessária uma lei especial para a proteção do consumidor já que ele não decide mais o que vai comprar, mas se dirige ao mercado pelo o que o mercado quer que ele consuma.
Há, todavia, uma outra tônica que se extrai do código e que requer ser ainda potencializada. Se o consumidor olha a lei focando os seus direitos, os fornecedores devem apreciá-lo focando o produto e o serviço. É que, se por um lado o CDC serve para a defesa do consumidor, para os fornecedores o código impõe um padrão de qualidade para produtos e serviços levados ao mercado de consumo.
Já faz algum tempo que “qualidade” deixou de ser um diferencial de competitividade para se transformar numa condição de mercado. Se a empresa quer aquinhoar uma fatia do mercado, tem que ofertar produtos ou serviços de qualidade. Caso o produto ou o serviço não possuam qualidade certamente não vingará o empreendimento.
Quando a metodologia da qualidade desembarcou em solo nacional, não havia dúvida que a empresa que nela investisse tomaria saliência frente aos concorrentes. Hoje, entretanto, a realidade conspira para que se reconheça que a qualidade não difere mais a concorrência ou talvez, o padrão de qualidade que funciona como diferencial passou um ser um outro denominado por alguns como padrão de excelência, que pode se explicar como sendo uma espécie de upgrade de padrão qualidade. O Código de Defesa do Consumidor serve como uma baliza entre estes padrões. Exemplificando, todo produto ou serviço para ter qualidade tem que ter garantia. Isto além de ser exigência do cliente, é imposto pela lei. O Código é claro ao estipular um prazo de garantia legal para produtos duráveis a lei assegura garantia mínima de 90 dias, para os não duráveis, 30 dias. Este é padrão de qualidade para garantia do produto. O padrão de excelência, pode-se supor que é o da garantia ampliada, como o do televisor que é garantido de uma copa do mundo a outra. O Código, nesta visão, transforma-se numa ferramenta importante para o planejamento de produtos e de serviços. Produtos e serviços não só de qualidade, mas “excelentes” ao consumo e diferenciados frente à concorrência.
Nota marcante do CDC é o direito de informação onde o consumidor adquire não só o produto, mas toda a informação necessária para que possa dele fruir em toda a sua dimensão (dimensão de qualidade). Não basta um produto ou serviço prezar pela qualidade quando o consumidor não sabe como dele fruir. Torna-se inadequado e compromete o patrimônio do cliente. A informação é imprescindível para a sociedade de conhecimento e, da mesma forma, para a sociedade de consumo. A informação compõe o preço do produto e por tal característica, é paga pelo cliente.
Por outro lado, o fenômeno da corrupção é impressionante. Escândalos no meio político se avolumam como se produzidos especialmente para gerar audiência nos noticiários. A corrupção é uma endemia que deve ser estirpada da sociedade brasileira. Nem se reclama tanto da economia quanto da corrupção. Ela vilipendia o ânimo e desafia o entusiasmo. Entretanto, a corrupção não é uma causa, mas sim um efeito: Efeito da falta de ética. Quando se fala em ética, o conteúdo do CDC seguramente assume uma terceira dimensão ou significado.
Se o código funciona para o consumidor como meio de defesa dos seus direitos e para a empresa como código de padrão de qualidade de produtos e serviços, com relação à concorrência, o código estabelece um padrão ético a ser adotado, um verdadeiro código de ética da livre concorrência.
A livre concorrência é um dos sustentáculos da ordem econômica. Não se admite mais que empresas ou setores sejam aquinhoados por governos. Por outro lado, sem concorrência não há qualidade e sem qualidade, não há desenvolvimento. Desta forma, prezar pela ética no mercado, além de assegurar benefícios diretos ao próprio mercado, contribui para com a própria sociedade fomentando a ética nas relações tanto entre entes privados, como também, com o setor público.
O Código funciona entre concorrentes como um código de ética, vedando, em exemplo, a propaganda enganosa que não ludibria apenas o consumidor, mas também o concorrente que de certa forma se vê impelido a fazer mais investimentos no seu produtos ou serviço para poder continuar competindo.
Por fim, passados mais de dez anos da vigência Código de Defesa do Consumidor, visualiza-se que ainda há nele um potencial represado e que pode representar diferencial tanto na criação de demanda, como também na transformação da sociedade brasileira: Minorando a corrupção, promovendo a ética, salvaguardando a qualidade... mirando a excelência!
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