Autos
n° 020.12.002079-3
Ação:
Rescisão de Contrato/Ordinário
Autor: Comercial de Gás Sanravi Ltda
Réu: Sascar - Tecnologia e Segurança Automotiva S/A
Vistos etc.
Cuida-se de ação de
rescisão de contrato, com pedido indenizatório, movida por Comercial de Gás Sanravi Ltda em face de Sascar - Tecnologia e Segurança
Automotiva S/A, aduzindo que
contratou com a ré monitoramento de oito veículos de sua propriedade, assinando
os termos de adesão e aluguel de equipamentos do sistema que prometia
eficiência e segurança, pagando regularmente as faturas pertinentes à locação
dos equipamentos e taxa mensal de monitoramento dos oito veículos.
Narrou como se dava o
pagamento das respectivas faturas, asseverando que a pertinente ao mês de
outubro de 2010 "não foi enviada à autora para pagamento", e sem
qualquer notificação o serviço de monitoramento foi suspenso, impedindo a
autora de ter acesso aos seus veículos, sendo que um dos caminhões acabou
desaparecendo (placas LXU 1917), localizado dois meses após pegando fogo
"numa estrada próxima da cidade de Nova Veneza", queimando o valor
dos fretes, em R$ 18.000,00 em cheques.
Afirmou que o prejuízo
seria evitado caso fosse possível o bloqueio do caminhão, que "só não
ocorreu em razão da suspensão indevida dos serviços de monitoramento".
Asseverou que um outro
caminhão seu (placas IFY 1366) foi furtado em 20.02.2011, novamente por
culpa da ré, seja pela suspensão indevida do serviço de monitoramento, como
também na recusa da própria ré em cancelar o contrato, impedindo que a autora
de firmar novo contrato com outra empresa, haja vista que seus equipamentos (da
ré) ainda estão instalados.
Por estes fatos,
requer a condenação da ré no pagamento das seguintes verbas: 1) R$ 126.150,00,
pelos danos materiais no caminhão LXU 1917; 2) R$ 18.000,00, referentes aos
cheques que estavam em seu interior; 3) R$ 128.363,00, pelos danos materiais
decorrentes do furto no caminhão IFY 1366; 4) R$ 80.449,67, a título de lucros
cessantes, antes os lucros mensais que não auferiu dos dois caminhões; 5)
colima ainda a rescisão do contrato e; 6) a condenação da ré no pagamento dos
danos morais, pelos transtornos causados a partir da suspensão do monitoramento
(incêndio em um caminhão e furto doutro), estes reservados ao prudente arbítrio
do julgador.
Juntou documentos.
Citada, a ré
apresentou resposta, aduzindo da não incidência do CODECON no caso dos autos, e
que foram nove os contratos firmados, como no quadro a folhas 139, e que em
agosto de 2010 a autora tornou-se inadimplente das parcelas relativas ao
contrato n. 042527 (placas MGO 1556), e a partir de janeiro de 2011
inadimplente com as faturas de todos os veículos contratados, enviando todas as
faturas para o mesmo endereço, mormente porque o não pagamento ocorreu em
relação a todos os contratos, jamais sendo contatada a ré para o envio de uma
segunda via da suposta fatura não entregue, esta que poderia ser extraída ainda
do próprio site da ré.
Alegou da aplicação da
cláusula 3.4 do contrato, suspendendo a visualização dos veículos pela autora
(suspensão parcial do serviço), não havendo qualquer pedido ou notificação da
autora para a rescisão do contrato nos termos do disposto na cláusula 3.2.
Sustentou não ser
possível estabelecer vínculo entre o incêndio ocorrido em um dos caminhões
"com a suposta falta de prestação de serviço por parte da ré", haja
vista que o fato ocorreria com ou sem monitoramento, não sendo a ré seguradora.
No tocante ao furto do
outro caminhão, sustentou que "a autora jamais entrou em contato com a ré
para informar tal acontecimento", afirmando ainda que nunca tentou impedir
a autora de contratar com quem quer que fosse.
Asseverou da
inadimplência da autora e do exercício regular do seu direito, defendendo a
aplicação do contrato tal como firmado e livremente aceito, reiterando os
argumentos já lançados, espancando as verbas indenizatórias postuladas,
pugnando ao final pela improcedência do pedido.
Após nova manifestação
da autora, e frustrada busca conciliatória, realizou-se regular instrução, com
a oitiva das testemunhas arroladas, seguindo-se a apresentação dos memoriais,
reprisando as partes os argumentos lançados.
Os autos vieram
conclusos.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, lembro
que " 'o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as
alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a
responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo
suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu.' [...]. (AgRg no
Ag n. 1394364/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j. 24-5-11, gizou-se)."(AI
n. 2010.074149.9, de Jaguaruna rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j.
05.07.2011).
Sua Excelência
o eminente relator do agravo acima mencionado, atento ao princípio da
instrumentalidade das formas, anotou com inteira razão:
" (...)
em que pese os exaustivos argumentos vazados no presente inconformismo,
torna-se despicienda a análise minuciosa de cada uma das argumentações
alinhavadas pela Agravante, haja vista que o Estado-Juiz não está obrigado a
rebater de forma específica cada uma das assertivas contidas no inconformismo
quando estão presentes em sua fundamentação os parâmetros suficientes para
sustentar sua decisão" (grifo meu, face a relevância do raciocínio
do sempre coerente relator).
Dito isto, írrito
falar-se na aplicação do CODECON no caso dos autos.
Cuidou-se de negócio
jurídico realizado entre duas empresas de significativo porte, sendo a autora
proprietária de verdadeira frota de caminhões (nem de perto vulnerável),
rigorosamente nada indicando hiposuficiência ou situação fática que indique a
aplicação da chamada "teoria maximalista".
Não é definitivamente
o caso dos autos, colhendo-se da jurisprudência da Corte Catarinense:
"Logo,
tendo em vista as características negociais observadas — em que se pôde, com
liberdade, tratar de prazos, preços, quantidades, maneira de execução —, não se
vislumbra o enquadramento dos sujeitos da relação jurídica negocial no conceito
legal de consumidor e de fornecedor definido nos artigos 2º e 3º do Código de
Defesa do Consumidor pois, quanto a este aspecto, a agravada não figura, em
absoluto, como destinatária final dos produtos e serviços fornecidos, mas, ao
contrário, utiliza-os para incremento de sua atividade empresarial principal,
objetivando lucro, com evidente repasse do investimento no custo de seus
serviços, não pondo fim, assim, à cadeia de fornecimento.
"Bem a
propósito, cumpre ressaltar que destinatário final, por certo, é o sujeito que
retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo, pondo fim à
específica cadeia de produção e não aquele que o utiliza para efetivamente
continuar a produzir, transformando-o e inserindo-o no seu sistema produtivo.
"Nesse
mesmo sentido, pois, não se enquadra no conceito jurídico de destinatário final
aquele que inclui o 'serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao
seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço [...], nos seus
cálculos do preço, como insumo da sua produção' (MARQUES, Cláudia Lima.
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2006, p. 84)." (Agravo de Instrumento n. 2007.040555-5, de
Itajaí, Relator: Des. Eládio Torret Rocha, j. 07.04.2008).
Tollitur quaestio.
No que pertine à
apresentação dos contratos, não há como exigir que a ré apresente algum outro
documento além dos que trouxe aos autos, todos aliás suficientes para o
julgamento.
Muito embora não se
aplique no caso vertente as disposições do CODECON, não se pode olvidar o
disposto no inciso II, do art. 333, do CPC, na medida em que "é indubitável,
ex vi do art. 333 do CPC, que ao réu incumbe provar, de forma
contundente, o fato hábil a extinguir a eficácia jurídica do direito do autor.
Meras alegações são insuficientes para tanto, porque a prova deve convencer, de
modo a afastar qualquer dúvida que porventura persista" (APCV n.
43.265, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Vanderlei Romer).
A regra apresenta
ainda maior relevo diante do incontroverso fato de que se cuidou de
"contrato de adesão", e portanto à ré assistia o ônus preponderante
de demonstrar suas assertivas.
A ré sustentou em sua
contestação que a suspensão parcial dos serviços deu-se em virtude de
'reiterada inadimplência" da autora, "em todos os contratos
firmados" (item 24 a folhas 146), invocando o disposto na cláusula 3.4, do
contrato.
Ocorre que a ré não
trouxe aos autos rigorosamente prova alguma de que a autora em algum momento
deixou de cumprir com suas obrigações contratuais; em outras palavras, e para
não pecar pela falta de clareza, a ré não apresentou um único documento
que demonstre tenha a ré ficado em mora ou inadimplente; nenhuma notificação,
cobrança, sequer aviso (formal ou informal) de que havia alguma fatura em
aberto a justificar a suspensão parcial ou total de algum dos serviços
contratados.
Imaginando a existência
de ter existido uma constituição em mora (total ou parcial), a suspensão (total
ou parcial) seria contratualmente justificada, e nada a autora teria a
reclamar. Todavia, a ré agiu a manu militari, o que é inaceitável sob
qualquer ponto de vista.
A rigor, e a
documentação dos autos é clara, a autora não deixou em momento algum de cumprir
com suas obrigações, sem sentido inclusive qualquer raciocínio contrário diante
da tal fatura impaga pertinente ao veículo de placas MGO 1556.
Ora, ainda que
houvesse o atraso no pagamento da parcela daquele contrato (considerando
que para cada veículo havia um contrato), não há razão próxima ou remota para
que a ré suspendesse os serviços para os veículos LXU 1917 e IFY 1366,
cujas situações estavam rigorosamente em dia, e que lastimavelmente acabaram
sofrendo os prejuízos reclamados.
Desta forma, deixando
a ré de cumprir com as suas obrigações nos contratos, sem que a autora tenha
contribuído com coisa alguma (art. 476, do CC), deu causa ao rompimento de toda
a cadeia contratual, procedente o pedido de rescisão contratual a favor da
autora.
Resta a apuração dos
danos reclamados.
Quanto aos danos
materiais, pleitea a autora a indenização concernente ao caminhão LXU 1917,
alvo de incêndio, sinistro cujas causas não foram apuradas, e se o foram não
vieram aos autos de forma detalhada.
O fato é que em
27.12.2010 o caminhão "pegou fogo numa estrada próxima da cidade de Nova
Veneza/SC", imputando a autora à ré os prejuízos decorrentes do incêndio,
pois não foi possível o bloqueio anterior do veículo.
Data venia, não existe qualquer
liame entre a suspensão do serviço e o incêndio em questão, bastando constatar
que ainda que o serviço estivesse ativo tal não evitaria o sinistro; se o
incêndio "começou no painel" como consta na inicial, qual a
possibilidade de evita-lo com o bloqueio do veículo?
Em síntese, por amor à
brevidade, inexistente o nexo causal entre a suspensão do serviço e o incêndio
no caminhão placas LXU 1917, improcede o pedido indenizatório.
O mesmo não ocorre
quanto ao caminhão IFY 1366, alvo de furto em 20.02.2011 (fls. 47).
Não se olvida o
entendimento jurisprudencial no sentido de que "o contrato de serviço de
rastreamento via satélite é um equipamento utilizado para diminuir o risco do
evento danoso, razão pela qual não garante a recuperação do veículo ou até
mesmo o seu ressarcimento em casos de furto, por não se tratar um contrato de
natureza securitária." (Apelação Cível n. 2012.037524-1, de Orleans,
Relator: Juiz Saul Steil, j.
09.10.2012).
Todavia, o
serviço prestado pela ré é justamente o de prevenir crimes contra o patrimônio,
e salvo melhor juízo a autora poderia ter sim localizado seu caminhão por
intermédio do rastreamento/monitoramento, caso o serviço não houvesse sido
suspenso indevidamente.
Se o incêndio
não poderia ser evitado pelo monitoramento/bloqueio/rastreamento, mormente por
ser fato alheio ao próprio serviço prestado pela ré (vide descrição a folhas
03), o mesmo não pode ser dito do furto do caminhão; ninguém contrata um
serviço de tal espécie para não ter sequer a possibilidade de localizar o
automóvel alvo de larápios.
É verdadeiro o
argumento de que a ré não é empresa de seguro, porém presta um serviço de
extrema gravidade para quem a contrata, comprometendo-se sim com o patrimônio
da contratante, pois qual seria o objetivo do serviço que não a possibilidade
de rastrear/monitorar/bloquear um caminhão alvo de um crime contra o
patrimônio?
O artigo 186,
do Código Civil, é bastante claro:
"Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito".
Ora: 1) a autora nada devia à ré quanto ao contrato
relativo ao caminhão furtado; 2) mesmo assim a ré não prestou o serviço
alegando uma inadimplência inexistente e não demonstrada; 3) a autora não pode
assim rastrear/monitorar/bloquear/localizar o caminhão furtado, tendo sim o
prejuízo mencionado na inicial por manifesta irresponsabilidade da ré.
Desta forma,
salta aos olhos o dever indenizatório da ré perante a autora, não por simples
"falha no serviço prestado", mas por absoluta e absurda suspensão
indevida do serviço, dando causa ao prejuízo experimentado pela autora, cujo
valor dos danos materiais resulta em R$ 128.363,00, conforme item "c"
a folhas 08, em momento algum impugnado expressamente pela ré, do que
compreendo verdadeiro referido valor, nos exatos termos do art. 302, do CPC.
No concernente
aos lucros cessantes, a juntada de planilhas e expectativas de lucros não
demonstram de forma iniludível a existência do que a autora "razoavelmente
deixou de ganhar", motivo pelo qual entendo indevido o respectivo pedido.
Da
jurisprudência:
" 'A
expectativa quanto ao sucesso do negócio não pode ser confundida com a certeza
de lucro no empreendimento.
" 'A
indenização a título de lucros cessantes não se funda em mera ilação, mas, ao
revés disto, em prova concreta de que o prejudicado, em decorrência do ato
ilícito, deixou de integrar ao seu patrimônio rendimentos que já eram certos'.
(Apelação Cível n. 2008.067931-1, de Navegantes, rel. Des. Gilberto Gomes de
Oliveira, j. 24-1-2012)" (Apelação Cível n. 2009.006269-8, de
Navegantes, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, j. 11.07.2013).
Mutatis
mutandis, é o caso dos autos.
Por fim, resta
o pedido de danos morais.
A
jurisprudência dominante navega no sentido da existência de dano puramente
moral devido à pessoa jurídica, não se olvidando o inteiro teor da Súmula 227,
do Colendo STJ.
Entretanto, no
caso dos autos não vislumbro a existência do abalo anímico indenizável".
Ora, a autora
descreve na inicial ser proprietária/possuidora de verdadeira frota, o que
aliás é comprovado pelos documentos e contratos trazidos aos autos.
Não é portanto
empresa frágil e dependente daquele caminhão furtado (lembrando o fato de não
lhe assistir indenização alguma quanto ao caminhão incendiado), gerando assim
única e tão somente a preocupação e o dissabor natural decorrente do furto do
seu caminhão, mas nada que seja capaz de ter como demonstrada a "ofensa
anormal à personalidade".
A rigor, a ré
deixou de cumprir sua obrigação contratual, acarretando o prejuízo material
reconhecido acima, circunstância no entanto que por si só não é capaz de gerar
os danos morais indenizáveis, improcedente pois o pedido.
ANTE O
EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por Comercial de Gás Sanravi Ltda em face de Sascar - Tecnologia e Segurança
Automotiva S/A e, em consequência:
1) DECLARO
rescindidos todos os contratos firmados pelas partes, reconhecendo a culpa da
ré, devendo a mesma retirar todos os seus equipamentos dos veículos da autora
em dez (10) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença;
2) CONDENO a
ré ao pagamento de R$ 128.363,00, a título de danos materiais, com correção
monetária e juros de mora desde o evento danoso (Súmulas 43 e 54, do STJ).
Havendo
sucumbência recíproca, CONDENO a autora e ré no pagamento pro rata das
custas processuais, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro para
o advogado da autora em 15% do valor da condenação, nos termos do § 3º, do art.
20, do CPC, e para o advogado da ré em R$ 10.000,00, nos termos dos §§ ³º e 4º,
do art. 20, do CPC.
P. R. I.
Criciúma (SC), 10 de setembro de 2013.
Pedro Aujor Furtado Júnior
Juiz de Direito
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