Constituição não pode ser vista como entrave ao desenvolvimento
Emerson, Souza Gomes, advogado, especialista em direito empresarial e sócio do escritório Pugliese e Gomes Advocacia
No dia 5 de outubro a Constituição Federal completará vinte anos de vigência. Data emblemática para a sociedade brasileira que poderá avaliar o regime democrático pós-período ditatorial. Sendo coloquial, pode-se dizer que é o momento de tirarmos a prova dos vinte: “Vinte anos de ditadura, vinte anos de democracia”.
A despeito das críticas endereçadas ao longo dos anos, a Constituição brasileira é ousada e pujante. Trata-se de uma “carta transformadora”, de um verdadeiro plano de política de estado, digno de encômios, que anseia ser eternizado como meio hábil para as transformações postuladas pela sociedade, sobretudo, resgatando a dívida ético-social acumulada no tempo pelo estado brasileiro.
É certo que o número de emendas constitucionais levadas a efeito conspira para que uma segunda opinião — com relativa autoridade — seja veiculada. Todavia, as emendas constitucionais mais refletem a “desideologização” do Congresso Nacional e a conseqüente fuga de legitimidade do mandato político, do que o fracasso da Carta Constitucional que, a duras penas, no seu teor salvaguarda princípios e direitos essenciais para disseminar a quintessência da cidadania e conseqüentemente, imprescindíveis para a construção de uma civilização brasileira.
De outra parte, não se pode negar que o conteúdo constitucional em muito jaz em potencial na folha de papel. A democracia e os direitos humanos ainda não encontram na lei do dia-a-dia e do cotidiano, semelhança razoável com o que prevê o texto constitucional. A democracia não se exaure no direito ao voto e o trato digno do cidadão pelo Estado é uma forma de humanizar o direito. Aliás, muitos dos direitos humanos se encontram gravados na Constituição na forma de direitos fundamentais (libertários, igualitários e fraternos) e devem ser arrostados não como o “escudo do crime”, mas como a “hasta da cidadania”. Outrossim, as benesses que o salário mínimo busca contemplar ou a declaração de que o mercado é um patrimônio nacional, são exemplos típicos de uma Constituição excelente, mas que requer ser implementada.
Não se reputa, assim, abalizado e coerente reescrevermos a Constituição ou a denunciarmos como entrave ao desenvolvimento do país, muito menos ainda, ao desenvolvimento econômico. Propalar tal idéia significa colocar em risco a noção central de respeito à dignidade e uma gama de direitos conquistados.
Assim, conclui-se já de soslaio que não precisamos de uma nova Constituição, mas, de vontade política para levar a frente reformas em sede constitucional e infraconstitucional. Vontade política, sobretudo, aliada a idéia de que as reformas são temas suprapartidários e que por tal motivo, não podem ser objeto de perde-e-ganha dentro do Congresso, sob pena de termos decano, daqui a vinte anos, o mesmo discurso: Reformas, precisamos de reformas!
No jogo do perde-e-ganha temos exemplos presentes como o da reforma tributária que não sai do papel, mas que para perplexidade e louvor da demagogia política, resolveu-se discutir a CPMF no cenário tributário, esta, talvez a última exação fiscal que deveria ser repensada.
No campo do Direito do Trabalho, enquanto lobbys tramam nos bastidores do Poder Legislativo eliminar verbas do trabalhador como o 13º salário, fica esquecida a noção de que o empregado da empresa é o consumidor do mercado e que qualquer extravagância no âmbito dos direitos sociais, impacta diretamente e de imediato o consumo, refletindo na atividade da micro e da pequena empresa. A supressão de direitos trabalhistas somente aquinhoa oligopólios e organismos econômicos de grande porte, muitos deles, transnacionais.
No campo das reformas, é necessário denotar, que a desoneração ideal do setor produtivo, sem sacrifícios para a sociedade, não deve se dar colocando a empresa entre o direito do trabalhador e a virulência tributária. O principal algoz da economia é o estado brasileiro e para isto é necessário levar a frente uma conducente reforma administrativa, medindo de fato o tamanha do estado. Medir o estado, ao seu turno, não é mensurar o número de servidores públicos, principalmente porque nos pequenos municípios, as prefeituras e órgãos públicos distribuem direitos, sendo imprescindíveis para a economia. A reforma administrativa ideal será aquela que compatibilizará a carga tributária com a qualidade dos serviços públicos prestados.
Ainda, reforma administrativa só se dá com reforma política eis que a sistemática hoje vigente conspira para que o cidadão seja arremessado num verdadeiro “delírio de orate”. Por outro lado, há a necessidade da valorização política das regiões mais desenvolvidas economicamente, repensando-se a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Sem uma representação igualitária das regiões não há possibilidade de uma discussão honesta de como devem ser atacadas as causas das desigualdades sociais, tendo-se como prejuízo a continuidade de políticas paliativas, que combatem efeitos e que eternizam o coronelismo e o curral eleitoral.
Por fim, devemos comemorar vinte anos de Constituição, mais do que um ato de protesto será um ato de resistência, pois se a Constituição antes detinha a alcunha de Carta Cidadã, hoje, merece um outro cognato, talvez o de “Carta da Vontade”, “do homem brasileiro de boa vontade”, “de boa vontade política”, mas surgiria a interrogação: Onde eles estão?!
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