terça-feira, 9 de junho de 2009

COAD, junho de 2009

Competindo com boa-fé
Emerson Souza Gomes Advogado em Joinville/SC - Sócio da Pugliese e Gomes Advocacia - Especialista em Direito Empresarial

Pelo Código de Defesa do Consumidor tanto empresas como clientes estão obrigados a agir com boa-fé nas suas relações contratuais. Trata-se a boa-fé de um princípio que impõe aos contratantes deveres que nem sempre estão expressos nas cláusulas do contrato, mas que são exigíveis como se tivessem sido escritos em letras garrafais.
Um contrato é um conjunto de informações sendo que hoje nem sempre estas informações estão no papel. Muitos contratos são firmados pela internet, onde o cliente somente tem acesso às suas cláusulas antes do click do mouse. Outros, são firmados em terminais eletrônicos de agências bancárias ou de shoppings center's, e o cliente toma apenas conhecimento da possibilidade de ter acesso às cláusulas contratuais. Ainda, há contratos que são realizados por telefone nos quais o atendimento (a contratação) é realizado boa parte por uma gravação de voz acionada pelos números do aparelho.
Nas relações de consumo o contrato vem se "desmaterializando". Quero dizer: o contrato está saindo da folha de papel. Apesar do CDC impor como direito do consumidor o conhecimento prévio das cláusulas contratuais, isto não significa que necessariamente o cliente tenha de lê-las. Significa que o consumidor deve ter a oportunidade de lê-las.
"A "desmaterialização do contrato" faz com que as cláusulas contratuais escritas e ordenadas passem a perder a sua importância frente a outros deveres contratuais que são decisivos, inclusive, decisivos para considerar válida qualquer cláusula inserida em um contrato. Estes deveres decorrem da obrigação dos contratantes de atuarem com boa-fé ao longo da relação contratual".
Apesar da boa-fé ser uma obrigação de ambos os contratantes, a empresa tem potencializada esta obrigação frente ao cliente-consumidor, já que é ela que impõe os termos do contrato, que traça as bases negociais, e é a profissional na relação de consumo. O cliente - como o CDC conceitua - é o destinatário final do produto ou do serviço e procura o fornecedor - em síntese - por uma satisfação pessoal. Não se trata o contrato de consumo essencialmente de um negócio: Para a empresa é um negócio, para o cliente, uma necessidade frente às demandas que a vida moderna impõe, como o telefone celular, o GPS do automóvel, uma viagem de férias, a decoração do apartamento etc.Razão que faz com que o contrato em si - aquele da folha de papel - perca cada vez mais a sua importância para o cliente-consumidor, pois este contrata por necessidade e não quer discutir cláusulas contratuais.
"Entre a empresa e o cliente é indispensável que seja cultivada uma forma de pensar e de atuar comum e esperada. A boa-fé é isto: uma forma de pensar e de atuar "comum e esperada". A empresa age com boa-fé quando cumpre seus deveres de bem informar e de cooperar com o cliente. Além disso, a empresa deve cuidar para que o cliente não seja onerado sem necessidade ou sofra quaisquer prejuízos por conta do contrato de consumo. Este é o procedimento comum e esperado não só pelo cliente, mas pelo mercado consumidor."
A empresa deve ser proativa, deve ir ao encontro das necessidades do cliente e isto começa já na fase pré-contratual. Se a empresa está oferecendo o produto através de quaisquer ferramentas de marketing ou é o cliente que se dirigiu ao estabelecimento empresarial para adquiri-lo, pouco importa. O "dever de bem informar" que decorre da boa-fé, exige, por exemplo, que os atendentes estejam qualificados, que entendam do produto, das suas peculiaridades, da sua utilidade, saibam qual o perfil do cliente foco do produto. Todo produto ou serviço deve ser abordado na sua dimensão de qualidade, pois que no fundo qualquer cliente de qualquer empresa não quer adquirir o "produto ou serviço econômico": Quer adquirir "qualidade". "Qualidade" que lhe proporciona "satisfação".
"A empresa quer demanda, o cliente quer satisfação, mas todos os dois querem: Qualidade".
A empresa que ofertar produtos com qualidade e para isto investe no processo produtivo, em tecnologia, em recursos materiais, humanos etc... O cliente, ao seu turno, quer adquirir produtos com qualidade e para isto se vale do mercado, porque no mercado está o padrão de qualidade dos produtos e serviços. A empresa busca estabelecer o perfil do cliente. O cliente, o perfil do produto ou do serviço. Neste flerte, cliente e empresa se encontram no mercado, sendo que o cliente confia que a empresa que escolheu oferta produtos com o padrão de qualidade estabelecido pelo mercado. Ora, se falo em "confiança", falo em boa-fé. O cliente confia na empresa (o consumidor no fornecedor). Uma confiança de que a empresa vai lhe vender um produto ou um serviço que tenha o padrão de qualidade estabelecido no mercado, sobretudo, pelo fato de que os produtos ou serviços muito se assemelham na concorrência.
"O cliente confia na empresa no sentido de que está adquirindo um produto ou um serviço de qualidade, o que faz com que a empresa não possa quebrar esta confiança, isto é, a empresa deve agir com boa-fé e ofertar no mercado produtos ou serviços que tenham qualidade. Boa-fé é qualidade. Qualidade é boa-fé".
Atender bem o cliente é um diferencial de competitividade. O atendimento cortês sempre será esperado, no entanto, o atendimento que faz o diferencial é o que informa. A empresa que atende com informações e não só com gentilezas está sempre um passo à frente (ou não está um passo atrás). Se vivemos na era da informação, onde o "novo" transformou-se em algo banal e os dados em um cabo de rede correm muito além de metros por segundo ao quadrado, as informações que o cliente tem sobre o produto ou o serviço nunca serão todas aquelas que o fornecedor (a empresa, o vendedor) tem acesso. Quando a empresa atua com foco em um segmento específico de mercado acaba desenvolvendo no seu produto ou serviço, informações que são importantes para o seu cliente-foco. A empresa que atua com foco conhece o seu produto e conhece o seu cliente e o cliente passa a estar no seu produto (input). As suas informações estão nele gravadas posto que se o cliente é foco o produto é feito sob medida. Assim, a venda (output) nada mais é do que falar do cliente e sugerir novos níveis de satisfação para o cliente. São inputs e outputs, entradas e saídas de informações que vão além de sorrisos, tapetes e cafezinhos de recepção.
O dever de bem informar se torna um dever de estar informado, principalmente quanto ao seu cliente. O cliente espera que a empresa o conheça. A empresa deve estar bem informada para bem informar: Isto é boa-fé. Isto é qualidade!
O cliente tem o padrão de qualidade do mercado e algumas informações sobre o produto ou o serviço da empresa que escolheu na concorrência. Às vezes, tem muito mais informações da empresa do que do próprio produto ou serviço. Como estes são muito parecidos, acaba o cliente buscando o diferencial no histórico da empresa, dos seus sócios, no seu balanço social, no poder de empatia que o marketing produziu etc... Assim, quem vai atender, tem que ter informações. É o seu dever jurídico e econômico. Se o dever econômico não é cumprido, não gera faturamento. Se o dever jurídico não for cumprido, gera prejuízo. Pelo principio da boa-fé não existe mais a figura do dolus bonus, isto é, da empresa se calar quanto a determinado aspecto do produto, que se o cliente tiver conhecimento fará com que decida por não adquiri-lo.
O cliente não pode ser surpreendido, pelo menos, com péssimas surpresas. Há um dever de transparência entre as partes na relação de consumo. Isto tem haver com informação: A empresa mostra o que é o que o produto ou o serviço são. Transparência é informar e informar é agir com boa-fé.
Agir com boa-fé não significa não estar agindo de má-fé. O agir de boa-fé é objetivo. Como já frisado, é uma forma de pensar e de atuar comuns dentro do mercado e com base num organismo empresarial médio ou do consumidor ordinário. Não se exige mais nem menos do que o proceder médio, daquilo que geralmente é observado nas relações de consumo. É claro, as violações dos direitos dos consumidores fazem parte do cotidiano, infelizmente. Sobretudo, por conta do oligopólio exercido por grupos de organismos empresariais em determinados setores da economia. Isto faz com que nestes setores o procedimento médio seja aquilo que "deve ser", não aquilo que "é" e aí os clientes-consumidores dependem muito da proteção do CDC e dos órgãos de defesa como procon's, promotorias e juizados especiais. Agir com boa-fé é colaborar com o cliente, estar ao seu lado, é um dever de lealdade. A empresa colabora com o cliente quando obtém dele informações - novamente a informação - e oferta produtos e serviços adequados ao consumo. Para O CDC produto ou serviço adequado é aquele que tem padrão de qualidade, padrão de segurança, padrão de durabilidade e padrão de desempenho. A adequabilidade para o mercado consumidor é qualidade e qualidade para o mercado é satisfação.
Colaborar com o cliente e auxiliá-lo na busca pela satisfação através de informações que a empresa fornece a respeito de produtos e serviços feitos para o cliente e a partir do cliente. É a propaganda ética, não a enganosa. É assessoria na escolha do produto e não a prática da "empurrometria". É o pós-venda e não só a mala-direta promocional. É a prática do relacionamento comercial e não do ato de venda. Colaborar é estar ao lado. A empresa é uma colaboradora do cliente. Quer lhe proporcionar satisfação fornecendo-lhe qualidade.
ADV ONLINE JUN/09

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